sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A chico-espertice entra na percepção da corrupção?

Corruption-NouakchottImage via Wikipedia



António Campos


A divulgação do Barómetro Global da Corrupção 2010, de que o DN dá conta, contendo conclusões que revelam terem os portugueses (83%) a percepção de que a corrupção aumentou desde 2007 e que os políticos são a classe mais corrupta de Portugal, pode ter muitas explicações de natureza científica ou técnica. Para tudo é possível encontrar uma explicação que tenha sentido.

Essa percepção não é nova e eu próprio estou convencido de que ela tem vindo a agravar-se sistematicamente e não apenas desde 2007. Vem de muito antes. Estaria mesmo tentado a dizer que desde finais dos anos 70 que a tendência verificada é sempre a mesma e só não o digo porque não possuo dados que me permitam afirmá-lo. Não será uma percepção, mas antes uma convicção.

Estudos e barómetros como aqueles que regularmente aparecem sobre o tema da corrupção se por um lado podem continuar a alertar-nos para a necessidade do Estado de Direito e das suas instituições travarem uma luta sem quartel contra a corrupção, ao mesmo tempo podem deixar nas pessoas que se apercebem dessas percepções e da evolução do barómetro uma tremenda sensação de impotência e de resignação que poderá levá-las a pensar que esse combate se torna mais difícil em cada dia que passa, levando-as a continuarem a condescender com o pequeno tráfico de influências, com a vulgar e portuguesíssima "cunha". Os tribunais têm também contribuído para o agravamento do sentimento de impunidade com algumas decisões que ofendem de forma gravosa e acintosa o sentimento jurídico dominante na comunidade e tudo isto concorre para o aumento do "bolo".

Acontece que esse sentimento de que os estudos dão conta continua a merecer condescência, quando não compreensão por parte dos agentes políticos, cuja tendência é muitas vezes para desvalorizarem os sinais, seja por razões de tacticismo político e eleitoral, seja porque eles próprios,  descrentes das virtudes do sistema embora não o possam dizer, temem o alarme social causado por uma valorização excessiva desses mesmos sinais.  Em qualquer um dos casos é, a meu ver, uma atitude errada e que merece ser criticada.

Há muito que defendo um maior vigor na taxação das sociedades "offshore" como primeiro passo para a sua ilegalização; ao lado de um aumento e maior empenho nos mecanismos da transparência e de combate à corrupção, que sem demagogia barata ou populismos desnecessários vá criando nos agentes do fenómeno da corrupção - activos e passivos - e na generalidade das pessoas um sentimento diferente daquele de impunidade que ainda hoje, como se vê, continua a imperar.

Os Açores não são diferentes da Madeira e é óbvio que não pode haver dois pesos e duas medidas consoante esteja em causa um ou outro dos arquipélagos. Cavaco Silva já se viu que sofre de um complexo autonómico (de outros também) em relação aos socialistas açorianos, que não encontra correspondência nas suas declarações e tomadas de posição sobre o que se vai passando na Madeira, mas é de todo inaceitável que gente com responsabilidades executivas esteja pronta para contemporizar com o discurso de Carlos César. É que é tão mau este discurso quanto o daqueles que esquecem ou silenciam o que diariamente ocorre na Madeira, como o que ainda recentemente ocorreu com o "perdão" aos milhões generosamente distribuídos pelos partidos políticos da região.

Mais do que punir a corrupção, e puni-la de forma exemplar, tarefa que terá de continuar reservada aos tribunais se quisermos ser um Estado de direito, começa ser imperioso "punir" a chico-espertice. Só que este é um combate solitário travado diariamente e no qual me quer parecer que são cada vez menos os que nele se empenham. Mas esse é também um combate pela cidadania e é nestas alturas em que as convicções tendem a ser ofuscadas pela frivolidade mediática e as necessidades do quotidiano que importa resistir, marcar uma posição, recusar a contemporização, dizer não à complacência.(…)

(adaptado)
Sérgio de Almeida Correia
Dez2010

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