Nildo Viana
Erich Fromm é um dos psicanalistas
mais populares do mundo e, ao mesmo tempo, um dos menos considerados nos meios académicos A sua popularidade pode ser vista em suas inúmeras obras publicadas
e reeditas em vários países. A imagem negativa que ele possui nos meios académicos se deve, por um lado, a algumas afirmações e concepções, e, por
outro, sua própria popularidade, o que provoca um preconceito académico de uma
elite intelectual que quer um distanciamento em relação ao “grande público”.
Fromm nasceu na Alemanha e foi um dos
fundadores do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, que mais tarde se
tornaria conhecida como Escola de Frankfurt, ao lado de Karl Korsch e vários
outros pesquisadores, que depois passou a ser identificada com os nomes de
Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin e Herbert Marcuse. Fromm
participou da pesquisa sobre “a personalidade autoritária” que fez a previsão
da ascensão do nazismo. As primeiras obras de Fromm são marcadas por um
freudismo ortodoxo (Dobrenkov, 1978) e depois ele se torna um dos principais
representantes do que se convencionou chamar “neofreudismo”. “revisionismo”,
“freudo-marxismo”, “culturalismo”, entre outras expressões. Embora Fromm fosse
colocado junto com os demais “revisionistas”, “culturalistas” e
“freudo-marxistas”, ele ao mesmo tempo em que se aproximava de várias teses
culturalistas de Karen Horney, Suliwan e outros, bem como do freudo-marxismo de
Reich, para citar apenas alguns nomes, ele também se diferenciava e assumia uma
posição distinta em vários aspectos.
Após a ascensão do nazismo, Fromm, tal
como muitos intelectuais de sua época, abandona a Alemanha e vai para os
Estados Unidos. Neste país ele irá produzir suas obras mais conhecidas e
importantes, se tornando um dos grandes nomes da psicanálise a nível mundial. A
sua trilogia composta pelos livros A Análise do Homem; O Medo à Liberdade e
Psicanálise da Sociedade Contemporânea se tornou uma das mais importantes do
século 20 para a psicanálise. Sua tentativa de unir psicanálise e marxismo
também foi importante e foi expresso mais explicitamente em suas obras Meu
Encontro com Marx e Freud e A Crise da Psicanálise. Os seus estudos sobre
variadas questões (aldeia camponesa, destrutividade humana, história da psicanálise,
pensamento de Marx, pensamento de Freud, religião, amor, contos de fada, etc.)
possuem um fio condutor que perpassa toda a sua obra. A base do seu pensamento
é um humanismo radical que se inspira fundamentalmente nas teses de Marx e
Freud.
Fromm parte da ideia de natureza humana
para unir Marx e Freud e elaborar sua concepção de psicanálise. Em O Conceito
Marxista do Homem, Fromm abre a discussão em torno da alienação e da natureza
humana exposta nos Manuscritos de Paris, escrito por Marx, o que será
desenvolvido em outras obras. A sociedade de classes produz a alienação e esta
é uma negação da natureza humana.
“Deu-nos Marx uma definição da ‘essência
da natureza humana’, da ‘natureza do homem em geral’? Deu, sim. Nos Manuscritos
Filosóficos, Marx define o caráter específico dos seres humanos como 'atividade
livre e consciente’, em contraste com a natureza do animal, que ‘não distingue
a atividade de si próprio... e é a sua atividade’. Em seus escritos
posteriores, embora tenha abandonado o conceito de ‘caráter da espécie’, a
ênfase continua sendo a mesma: a atividade como característica da natureza
não-mutilada e não-fragmentada do homem. Em O Capital, Marx define o homem como
um ‘animal social’, criticando a definição de Aristóteles do homem como ‘animal
político’ como sendo ‘tão característica da antiga sociedade clássica quanto a
definição de Franklin do homem como ‘animal fabricante de ferramentas’ é
característica do reino ianque’. A psicologia de Marx, assim como sua
filosofia, é uma teoria da atividade humana e concordo inteiramente com a
opinião de que a maneira mais adequada para descrever a definição de homem de
Marx é a de um ser de práxis (...) (Fromm, 1977, p. 63).
Fromm critica aqueles que deformaram o
pensamento de Marx, transformando-o num economicista e empobrecendo o seu
pensamento, e também critica Freud e sua concepção de homem como ser fechado e
movido pelas forças da autopreservação e instintos sexuais (Fromm, 1977). As
críticas de Fromm a Freud (1977; 1980) abrem espaço para ele partir da
concepção de natureza humana em Marx e assim apresentar uma renovação da
psicanálise num sentido freudo-marxista, indo além de várias outras tentativas
neste sentido, tais como a de Osborn (1966), Reich (1973), entre outros. Ele se
afasta da concepção biologista de natureza humana expressa por Freud e retoma a
concepção de Marx (De La Fuente, 1989), entendendo a produtividade – termo que
se presta a equívocos, como veremos adiante – como característica fundamental
da natureza humana (Fromm, 1978).
Sem dúvida, é a partir desta concepção
de natureza humana que emerge o seu humanismo e que vai estar presente na sua
concepção de ética, de psicanálise, de marxismo e de socialismo. É também a
base da renovação da psicanálise empreendida por Fromm. É por isso que Fromm
irá revalorar a cultura e as relações sociais para explicar o ser humano e seu
psiquismo. O modelo biologista de Freud é criticado, incluindo sua concepção da
existência de um “instinto de morte” (Fromm, 1975). Fromm explica o ser humano
como potencialmente bom, e somente em condições adversas pode desenvolver uma
potencialidade secundária, tornando-se mau (Fromm, 1965).
Uma de suas teses mais interessantes é a
do caráter social. Fromm encontra alguns tipos de caráter social que podem ser divididos
naqueles que possuem orientação produtiva e naqueles que possuem orientação
improdutiva. As orientações improdutivas são a receptiva, a exploradora, a
acumulativa e a mercantil e as produtivas são reduzidas a uma só, que é a do
ser humano que manifesta a essência humana, que realiza a produtividade (Fromm,
1978). Ao contrário de Freud, cuja base fundamental do caráter estaria nos
vários tipos de organização da libido, Fromm pensa o caráter social a partir da
relação da pessoa com o mundo que, no curso de sua vida, ocorre através do
processo de adquirir e assimilar coisas e na relação com as demais pessoas e
consigo mesmo, o que significa que é social. A função do caráter social é
moldar os indivíduos no sentido de agir na direção exigida pela sociedade. O
caráter social produz o desejo de agir no sentido que a sociedade exige e
produz no indivíduo a satisfação ao agir de acordo com as exigências da cultura
e assim realiza uma mediação entre o modo de produção e as idéias dominantes em
uma determinada sociedade (Fromm, 1979).
As orientações de caráter improdutivas
são as seguintes: a) receptiva, a pessoa pensa que tudo que é bom está fora
dela e espera receber tudo de uma fonte exterior, sendo que o fundamental nesta
orientação é ser amado e não amar; b) exploradora, a pessoa também pensa que o
bem está no exterior, mas busca tomá-lo por meio da astúcia ou da força; c)
acumulativa, as pessoas com esta orientação, ao contrário das anteriores, não
tem fé no mundo exterior e sua meta é acumular e poupar, sendo que gastar é
visto como uma ameaça; d) a orientação mercantil passa a predominar na
sociedade moderna e está intimamente ligada com a expansão mercantil e o
capitalismo, sendo produto da mercantilização das relações sociais e domina o
indivíduo na sociedade capitalista, que “se sente ao mesmo tempo como o
vendedor e a mercadoria a ser vendida no mercado”; “sua auto-estima depende de
condições que escapam ao seu controle. Se ele tiver sucesso, será ‘valioso’; se
não, imprestável, o que gera a luta constante pelo sucesso”. A orientação
mercantil é a predominante na sociedade moderna e é o que gera a opção pelo ter
ao invés do ser (Fromm, 1987; Fromm, 1992). Estas orientações de caráter podem
se mesclar num indivíduo concreto e o tipo de caráter predominante nos
indivíduos é um produto social.
A orientação de caráter produtivo aponta
para um ser humano que se relaciona de forma produtiva com o mundo e com as
pessoas, desenvolvendo o amor e o pensamento produtivos, que se manifestam na
ética humanista. O amor produtivo não é possessivo e nem se reduz ao amor
sexual. O amor produtivo tem sua base na produtividade e é o amor autêntico,
que tem como exemplo máximo o amor materno e é marcado pelo desvelo,
responsabilidade, respeito e conhecimento (Fromm, 1978). É por isso que o amor
produtivo é desintegrado na sociedade capitalista contemporânea (Fromm, 1990).
O pensamento produtivo não é aquele que
espera tudo do exterior – solicitando e esperando recebê-lo dos outros, como na
orientação receptiva, ou tomando e plagiando como no caso da orientação
exploradora. Também não é uma fortaleza que se isola e se poupa como na
orientação acumulativa ou, ainda, um mero valor de troca utilizado para
conquistar o sucesso e por isso segue as modas, tal como na orientação mercantil.
O pensamento produtivo é aquele que possui interesse e reage ao seu “objeto”,
e, ao mesmo tempo, o respeita, buscando compreendê-lo, a vê-lo como realmente
é, tendo também uma visão total e não fragmentária dele. Fromm opõe consciência
humanista e consciência autoritária:
“A consciência humanista é a expressão
do interesse próprio e integridade, ao passo que a consciência autoritária
preocupa-se com a obediência, abnegação e dever do homem ou com seu
‘ajustamento social’. A meta da consciência humanista são a produtividade e,
portanto, a felicidade, posto que esta é o concomitante necessário da vida
produtiva. Prejudicar a si mesmo tornando-se um instrumento de outros, não
importando quão dignos esses aparentem ser, ser ‘desprendido’, infeliz, resignado,
desencorajado, opõe-se aos reclamos da consciência da pessoa; qualquer violação
da integridade e o funcionamento adequado de nossa personalidade – tanto no que
se refere ao pensamento quanto a ação e mesmo a assuntos como preferência de
alimentos ou comportamento sexual – são uma intervenção contra a consciência da
pessoa” (Fromm, 1978, p. 140).[...]