Image by Richard Sihamau via Flickr
António Campos
O homem recebe do meio, em primeiro lugar, a definição do bom e do mau, do
confortável e do desconfortável. Deste modo, os Chineses preferem os ovos podres e os Oceânicos o peixe em decomposição. Para dormir, os Pigmeus procuram a incómoda forquilha de madeira e os Japoneses deitam a cabeça em duro cepo.
O homem recebe assim, do seu meio cultural, um modo de viver e de pensar. No Japão considera-se delicado julgar os homens muito mais velhos do que parecem. Demonstrou-se que a percepção das cores, dos movimentos ou dos sons está orientada e estruturada de acordo com o modo de existência.
O homem também retira do meio as atitudes afectivas típicas. Entre os Maoris, onde se chora à vontade, as lágrimas correm só no regresso dos viajantes e não à sua partida. Nos Esquimós, que praticam a hospitalidade conjugal, o ciúme desapareceu, tal como na Samoa; em compensação a morte de um inimigo pessoal aceita-se como um acto normal, ao passo que a guerra surge como um cúmulo do absurdo; a morte não parece cruel, os velhos aceitam-na como um benefício e todos se alegram por eles. (...)
A piedade para com os velhos varia consoante os lugares e as condições económicas e sociais: alguns índios da Califórnia estrangulam-nos, outros abandonam-nos nas estradas. O amor e o cuidado da mãe pelos filhos desapareceram nas ilhas do estreito de Torres e nas ilhas Andaman, em que o filho ou a filha são oferecidos de boa vontade aos hóspedes da família como presente ou aos vizinhos em sinal de amizade.
A sensibilidade a que chamamos "masculina" pode ser, de resto, uma característica "feminina", como nos Tchambuli, por exemplo, em que na família é a mulher que assume a direcção e domina.
Malson, Lucien, As crianças selvagens (adaptado)