«Fracasso da União Europeia na Palestina
(Arquivo: Novembro 2013)
Depois
do previsível fracasso das chamadas negociações «de paz», que há muito se
assemelham a um teatro de sombras, Israel, que nunca parou a colonização, está
actualmente a bombardear Gaza, uma das zonas mais densamente povoadas do
planeta. Tal como em 2009. Benjamin Netanyahu bem pode actuar fora de toda a
legalidade internacional. Ainda a 9 de Julho recebeu o apoio do governo
francês, o que vem rematar o fracasso da União Europeia na Palestina.»
«Protestos contra a ocupação sem convicção
Fracasso da União Europeia na Palestina
Para lá dos discursos de conveniência, prossegue a
cooperação com Israel como se a ocupação não existisse. É certo que a União
Europeia decidiu finalmente adoptar medidas de retaliação contra a colonização,
mas fá-lo de forma tão tímida que a torna incapaz de impor uma paz duradoura na
região.»
Vinte anos depois dos Acordos de Oslo, a União
Europeia acaba de ultrapassar uma primeira etapa para tornar credível a sua
posição oficial a favor de um Estado palestiniano «independente,
democrático, contínuo e viável». Com efeito, uma directiva publicada em
Julho de 2013 torna inelegível para os financiamentos europeus, a partir de 1
de Janeiro de 2014, toda e qualquer entidade israelita – empresa, universidade,
laboratório de investigação, associação – situada para lá das fronteiras de
1967 e que exerça actividade num colonato da Cisjordânia ou em Jerusalém
Oriental.
Isto deverá pôr fim ao apoio a empresas como a
Ahava, que explora lamas e sais minerais do mar Morto, mar ao qual os
industriais palestinianos continuam a ser impedidos de ter acesso; ou ainda a
outras como a Israeli Antiquities Authority, através da qual as autoridades
israelitas exercem um quasi-monopólio da regulamentação, conservação e apresentação
da actividade arqueológica na Palestina.
Uma decisão como esta era ainda mais esperada porque
a União nunca conseguiu, ou nunca quis, aplicar as declarações e resoluções
acumuladas desde Dezembro de 2009 que instavam o governo israelita a «acabar
imediatamente com todas as actividades de implantação, em Jerusalém Oriental e
no resto da Cisjordânia, incluindo a extensão natural dos colonatos, e a
desmantelar todos os colonatos de povoamento selvagens instalados desde Março
de 210» [1].
Até hoje, apesar das constatadas violações das resoluções da Organização das
Nações Unidas (ONU) e das Convenções de Genebra, apesar do parecer consultivo
do Tribunal Internacional de Justiça sobre o Muro de SeparaçãoEm 2004, o
Tribunal Internacional de Justiça lavrou uma sentença declarando o traçado
deste Muro ilegal aos olhos do direito internacional. [2],
não foi accionada qualquer sanção.
No entanto é urgente fazê-lo, porque a política do
facto consumado continua a destruir lentamente, dia após dia, os territórios
palestinianos, hipotecando a solução assente em dois Estados. A Cisjordânia já
não é mais do que um arquipélago de pequenas ilhas urbanas, devido ao Muro de
Separação (cujo traçado anexa, de facto, perto de 10% do território
palestiniano) e à manutenção de 60% da sua superfície sob o controlo total de
Israel – a famosa «zona C» [3].
Nesta estão já instalados 350 mil colonos, em 135 colonatos, para 180 mil
palestinianos residentes. Além disso, o Gabinete das Nações Unidas para a
Coordenação dos Assuntos Humanitários (Office for the Coordination of
Humanitarian Affairs, OCHA) tem mostrado preocupação com o aumento da violência
perpetrada pelos colonos, com o bloqueio das licenças de construção
palestinianas pela administração civil israelita encarregada dos territórios e,
por fim com as demolições sistemáticas de edifícios erigidos «sem autorização».
Pressões israelitas e americanas
Estas demolições não poupam os projectos financiados
pela União Europeia, que por vezes pagam a reconstrução de infra-estruturas
destruídas pelo exército israelita. É o caso, por exemplo, do porto e do
aeroporto de Gaza, mas também dos edifícios administrativos e de segurança da
Autoridade Palestiniana – em particular em Naplus e em Jenine, onde a União
gastou 30 milhões de euros na reconstrução de duas muqatas, que deve
ficar terminada no início de 2014 –, ou ainda das instalações de base em meio
rural. Mesmo os equipamentos móveis para uso humanitário (tendas, abrigos,
latrinas…) vêem-se regularmente pilhados pelo exército ou pelo colonos, sem que
alguma vez tenha sido apresentado qualquer pedido de indemnização. Só o
Gabinete Humanitário da Comissão Europeia (European Commission Humanitarian Aid
Office, ECHO) pediu, por escrito, em 2013, compensações financeiras. O pedido
foi indeferido, de forma bastante seca, com o pretexto de que as estruturas não
haviam sido construídas em coordenação com as autoridades israelitas.
Os incidentes, que implicam inclusivamente
diplomatas europeus, são frequentes, mas a maior parte das vezes são abafados
por embaixadas desejosas de não levantar ondas. O apoio ao reforço
institucional da Autoridade Palestiniana – leitmotiv dos investidores
que apostam no desenvolvimento económico, na falta de uma solução política –
foi mantido sem pestanejar. Mas, com o passar do tempo, ele foi transformado
numa transfusão que permite manter à tona a Autoridade, cujos funcionários são,
em parte, pagos pela União, à razão de 150 milhões de euros por ano.
Os recursos hídricos sempre foram uma questão da
maior importância. Ora, a sua partilha manteve-se muito desfavorável aos
palestinianos, tributários de um Joint Water Council que devia favorecer a
co-decisão entre as duas partes mas que é utilizado pela parte israelita para
bloquear a maioria dos projectos palestinianos relativos ao aquífero. Os palestinianos
só têm acesso a 20% dos recursos da Cisjordânia, ficando os israelitas com 80%
[4];
consomem, em média, quatro vezes menos água por dia e por pessoa. A «comunidade
internacional», União Europeia incluída, não parece incomodada por financiar
projectos de tratamento das águas cujo investimento e custos operacionais são
mais dispendiosos devido às restrições impostas pelo ocupante.
Em Jerusalém, as autoridades israelitas expropriaram
mais de um terço da parte oriental da cidade, imediatamente declarada
«território do Estado». Em 2013, contam-se 250 mil colonos estabelecidos nos
bairros palestinianos, seja na cidade velha e nas bacias históricas, seja nos
vastos aglomerados urbanos dispostos em círculos à volta da cidade. Mesmo a
cultura, a história e o património são áreas estreitamente controladas pelas
autoridades israelitas: retenção das licenças para exercer o ofício de guia
turístico, recuperação das obras e dos manuscritos, controlo das escavações
arqueológicas… Segundo o mais recente relatório dos chefes de missão
diplomática europeus colocados em Jerusalém, isto parece resultar «de um
esforço concertado que visa usar a arqueologia para reforçar as pretensões a
uma continuidade histórica judaica em Jerusalém, e assim criar uma justificação
para o seu estabelecimento enquanto capital eterna e indivisível de Israel»
[5].
Apesar das conclusões inequívocas deste relatório,
transmitidas a todas as capitais europeias, a União teve muitas dificuldades em
impor qualquer medida às autoridades israelitas, a começar pela reabertura das
instituições oficiais em Jerusalém Oriental, desde logo a Casa do Oriente –
sede da Organização de Libertação da Palestina (OLP) em Jerusalém até 2010 – e
a Câmara do Comércio Palestiniana.
Em 2010, Israel fechou todos os pontos de passagem
para a Faixa de Gaza, com excepção dos de Erez (de acesso restrito) e de Kerem
Shalom, única entrada autorizada para as importações de certas mercadorias,
para grande proveito do Hamas. As exportações continuam, com apenas algumas
excepções, a estar proibidas. Ao longo de toda a Faixa de Gaza, que é já um dos
locais mais densamente povoados do mundo, com perto de 2 milhões de pessoas em
quatrocentos quilómetros quadrados (4500 habitantes por quilometro quadrado),
as autoridades israelitas impuseram, além disso, uma zona-tampão (buffer
zone) de cem a quinhentos metros de largura no interior do Muro de
Segurança, impedindo doravante o acesso da população a 17% do território, ou
seja, a perto de um terço da sua superfície cultivável. Este tipo de restrição
existe também para a fachada marítima, uma vez que o limite de pesca –
inicialmente estabelecido em 20 milhas náuticas pelos Acordos de Oslo – está
hoje fixado entre 3 e 6 milhas náuticas, de acordo com diferentes períodos [6].
A resposta da União traduziu-se em 15 milhões de euros suplementares para
ampliar as infra-estruturas fronteiriças no posto de passagem de Kerem Shalom,
isto é, num investimento na infra-estrutura de segurança israelita, em vez de
conseguir um levantamento do bloqueio que, no entanto, oficialmente reclama.
Além disso, a sorte dos refugiados palestinianos
deteriorou-se ainda mais. Expulsos das suas aldeias aquando das guerras de 1948
e 1967, são cerca de cinco milhões os registados pelas Nações Unidas. Um terço
deles vive ainda nos campos «provisórios» em Gaza, na Cisjordânia, na Jordânia,
no Líbano e na Síria; 3,5 milhões dependem da Agência das Nações Unidas de
Assistência aos Refugiados da Palestina (United Nations Relief and Works Agency
for Palestine Refugees, UNRWA) para os serviços essenciais em matéria de saúde
ou de educação. Esta situação, que custa à União Europeia cerca de 300 milhões
de euros por ano sob a forma de apoio financeiro à UNRWA, é ainda mais agravada
pelo afluxo actual de refugiados sírios e pela instabilidade dos países da
região.
O statu quo no Médio Oriente, que de statu
quo só tem o nome, ilustra a incapacidade da União Europeia para impor as
condições de uma paz duradoura na região. No entanto, ela dispõe de todos os
meios para o fazer [7].
Em primeiro lugar, a União podia assumir este
importante passo que foi dado com a publicação da sua directiva, em vez de
tentar atenuar o seu alcance, e recusar ceder às pressões exercidas, desde
então, pelas autoridades israelitas – que proibiram aos seus representantes o
acesso a Gaza – e americanas. Além disso, com um volume de trocas de perto de
30 mil milhões de euros por ano, a Europa representa o principal parceiro
comercial de Israel, e um quarto das suas exportações. A União poderia, assim,
ameaçar Telavive com retaliações no quadro do Acordo de Associação assinado em
2000, congelar os acordos específicos em vigor ou em curso de negociação
(Israel continua a ser o principal beneficiário dos Programas Mediterrânicos) e
suspender todas as negociações com vista a reforçar o Acordo de Associação.
Mais ainda, a União Europeia podia deixar de
importar produtos fabricados ou montados nos colonatos israelitas da
Cisjordânia. Em 2012, um colectivo de vinte e duas organizações não
governamentais (ONG) calculou que estas importações ascendem a 230 milhões de
euros, ou seja, quinze vezes mais do que as importações europeias de produtos
palestinianos [8].
Não dependendo de financiamentos europeus directos, estas exportações não são,
com efeito, abrangidas pela recente directiva. E, não tendo uma etiquetagem
precisa, estes produtos «made in Israel», de facto originários dos
colonatos, beneficiam de uma isenção de taxa… Está aliás em curso, em treze Estados,
uma iniciativa relativa à etiquetagem, por preocupação de transparência em
relação ao consumidor europeu. Mas alguns desses Estados, como a Irlanda,
lamentam que esta iniciativa não chegue ao ponto de proibir pura e simples
estes produtos no mercado europeu.
Por fim, a União podia actuar no comércio de armas
com Israel, que continua a crescer apesar do código de conduta europeu que
proíbe todo e qualquer comércio de equipamento militar com autoridades «que
recorram à repressão interna, à agressão internacional ou contribuam para a
instabilidade regional». Esta importação de equipamentos, o investimento na
investigação (em parte graças a subvenções europeias) e as recentes e
mortíferas operações militares em Gaza – verdadeiro laboratório para as tecnologias
de ponta em matéria de armamento – permitiram aumentar as vendas de armas
israelitas em todo o mundo. Com efeito, em 2012 essas vendas atingiram o nível
recorde de 5,3 mil milhões de euros, arrebatando a França o quarto lugar do
palmarés dos exportadores de armas.
Há um ano, a União Europeia recebeu o Prémio Nobel
da Paz. Não será já altura de se lembrar disso?»
* Jornalista.
[1] Conclusões do Conselho dos Negócios Estrangeiros da
União Europeia, 8 de Dezembro de 2009.
[2] Ler William Jackson, «Destruir este muro ilegal da
Cisjordânia», Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Novembro de
2004.
[4] Ver o relatório da Assembleia Nacional francesa sobre a
geopolítica da água, que denuncia o «novo apartheid» praticado por Israel neste
domínio (Dezembro de 2011), www.assemblee-nationale.fr.
[5] Relatório dos chefes de missão da União Europeia em
Jerusalém Oriental, Fevereiro de 2013.
[6] Ler Joan Deas, «O mar encolhe em Gaza», Le Monde
diplomatique – edição portuguesa, Agosto de 2012.
[7] Cf. «Failing to Make the Grade. How the EU Can
Pass its Own Test and Work to Improve the Lives of Palestinians in Area C»,
Association of International Development Agencies (AIDA), 10 de Maio de 2013, www.oxfam.org.
[8] «Trading Away Peace: How Europe Helps to Sustain
Illegal Israeli Settlements», Fédération internationale des ligues des droits
de l'homme, Paris, Outubro de 2012.