sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Contra a equidade

Equity (trade union)Image via Wikipedia



António Campos


Os liberais andam agora preocupados com os pobres. No Reino Unido, por exemplo, o primeiro-ministro conservador David Cameron pretende, inspirando-se no antecessor trabalhista Tony Blair, aumentar brutalmente as propinas nas universidades [1]. Tratar-se-ia de uma medida social. Com que objectivo? Impedir que todos os contribuintes paguem estudos superiores cujos «clientes» são, na sua maioria, provenientes das camadas privilegiadas. O Estado poupa; os pobres dispõem de bolsas. Há três anos, em França, o editorialista Jacques Julliard já afirmava que «a gratuitidade é um subsídio aos ricos que enviam os filhos para a universidade» [2]. Obrigar ao pagamento de propinas seria, portanto, uma reforma igualitária…

A dimensão dos défices públicos permite estender este raciocínio ao conjunto das prestações sociais, pondo em causa o seu carácter universal. Para começar, os abonos familiares:«Para lá de um certo limiar (de rendimentos), não se compreende que se receba subsídios. O dinheiro que o Estado gasta com isso é uma pura perda», reiterou o antigo ministro de direita Luc Ferry, secundado pelo antigo primeiro-ministro socialista Laurent Fabius [3]. A seguir vem a assistência médica: Alain Minc, conselheiro de Nicolas Sarkozy e apesar disso próximo de Martine Aubry, evocou o caso do pai,«hospitalizado durante quinze dias num serviço de ponta», para fingir sentir-se chocado com o facto de «a colectividade francesa ter gasto 100 000 euros para tratar um homem de 102 anos. (…) Vai ser preciso pensar em como se pode recuperar as despesas médicas feitas com os muito velhos, indo buscar uma contribuição ao seu património ou ao dos seus herdeiros. Devia ser o programa socialista a fazer esta proposta» [4]. Por fim, é a vez das pensões de reforma: o semanário liberal The Economist lamentou que George Osborne, ministro britânico das Finanças, não tenha sistematizado o seu ataque «contra o princípio do universalismo que caracteriza o sistema social. Podia, por exemplo, ter apontado os dispendiosos privilégios concedidos aos reformados independentemente dos seus rendimentos» [5].

Parece, assim, que os liberais estão agora preocupados com a «equidade» da redistribuição, depois de terem reduzido a progressividade fiscal… Já se sabe qual vai ser a sua próxima etapa, pois ela já foi experimentada nos Estados Unidos: em sistemas políticos dominados pelas classes médias e altas, a amputação dos serviços públicos e das prestações sociais torna-se uma brincadeira de crianças quando as camadas privilegiadas deixam de lhes ter acesso. Quando se chega a esse momento, essas camadas consideram que tais privilégios alimentam uma cultura de dependência e de fraude, o número de beneficiário reduz-se e é-lhes imposto um controlo minucioso. Fazer com que as prestações sociais dependam dos rendimentos significa portanto, quase sempre, programar o seu desaparecimento para todos.

Notas
[1] David Cameron quer aumentar o valor anual das propinas nas universidades de 3290 para 9000 libras esterlinas (10 600 euros), depois de Tony Blair as ter já aumentado, em 2004, de 1125 libras para 3000 libras.
[2] LCI, 7 de Julho de 2007.
[3] Respectivamente, no Le Figaro (18 de Novembro de 2010) e na Europe 1 (4 de Novembro de 2010).
[4] «Parlons Net», France Info, 7 de Maio de 2010.
[5The Economist, Londres, 23 de Outubro de 2010.

Dezembro de 2010
Serge Halimi


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