O moralismo é uma prática/concepção
comum. Ele é praticado pelo moralista. O moralista é aquele indivíduo que se
move não por princípios éticos mas sim a partir de uma moral. Ética e moral são
coisas distintas. A ética, tal como definimos em outro lugar, é um modo de ser,
no qual há uma coerência entre os valores fundamentais do indivíduo e sua
prática cotidiana (1). A moral, ao contrário, é um conjunto de normas
produzidas de forma exterior aos indivíduos, é imposta pela sociedade ao
indivíduo. Por isso, ela é pouco praticada embora seja muito propagandeada,
gerando quase sempre uma contradição entre discurso e prática. Muitos pregam a
moral mas não a praticam. A moral é geralmente, devido a isto, conservadora.
O moralista é uma pessoa que segue
cegamente (e discursivamente) a moral e exige que todas as pessoas sigam os
mesmos passos. Ivan Illich, se referindo à relação entre escola e valores,
afirmou o seguinte: "as pessoas que se submetem ao padrão dos outros para
medir seu crescimento pessoal próprio, cedo aplicarão a mesma pauta a si
próprios. Não mais precisarão ser colocadas em seu lugar, elas mesmas se
colocarão nos caminhos indicados; tanto se espremerão até caberem no nicho que
lhes foi ensinado a procurar e, neste mesmo processo, colocarão seus
companheiros também em seus lugares, até que tudo e todos estejam
acomodados" (2).
O moralista é um conservador, um
defensor das normas sociais estabelecidas. Por ter posse da moral, ele se torna
um pregador, parecendo um religioso, que passa a se considerar uma espécie de
juiz, um Deus, que tem o direito de julgar todos a partir do cânone abstrato
composto pelas normas de sua moral.
O que interessa ao moralista é julgar e
condenar aqueles que atentam contra a moral. A preocupação fundamental é julgar
e o parâmetro é o cânone abstrato da moral. Uma vez identificado um ato
condenável pelo moralista, se busca descobrir a motivação, que é concebida, a
priori, como sendo tão condenável quanto o referido ato. Assim, o moralista
passa a condenar determinado ato e também sua motivação. A descoberta da
motivação se dá através de uma espécie de projeção, no qual o moralista faz
conjecturas sobre por qual motivo ele faria o ato condenável em questão. Por exemplo,
se se trata de um assassinato, ele irá pensar o que faria ele cometer tal ato.
Poderia ser ciúme, ódio ou vingança. Após isto, ele faz algumas observações
superficiais sobre o indivíduo e/ou a situação que antecedeu o ato para
descobrir a suposta motivação e se apega dogmaticamente a esta
"descoberta". Assim, o moralista passa a condenar o indivíduo que
cometeu o ato condenável por dois motivos: pelo ato em si, e também por sua
motivação, ambas condenáveis pelo seu cânone abstrato. Não interessa ao moralista
se está cometendo injustiças, também não lhe interessa fazer uma análise mais
rigorosa e aprofundada, nem pesquisar ou obter informações, nem analisar o
contexto ou o indivíduo concreto. Para ele basta o seu inseparável cânone
abstrato e o ato de julgamento e condenação. Assim, a gênese social do
indivíduo e do seu ato não interessa ao moralista, pois o que importa é a moral
e a imoralidade, o julgamento e o direito de julgar por parte do moralista. A
concepção política também não lhe interessa, pelo menos aparentemente, pois em
alguns casos o moralismo vem apenas para esconder divergências políticas e o
conservadorismo do moralista.
Para o moralista, se uma pessoa xingar
outra é um ato imoral, então ele é condenado, independentemente da situação social
e das motivações reais. Não interessa se foi o condenado que xingou o carrasco
ou se foi o contrário, pois para ele tanto faz. O moralista move seu pensamento
num espaço associal, possuindo uma estrutura semi-religiosa, maniqueísta,
trabalhando com oposições abstratas entre o bem e o mal, o certo e o errado,
obviamente sem discutir os fundamentos desta delimitação normativa, pois a
moral não precisa se fundamentar, ela é o fundamento (seja aparente ou real).
O moralista pode utilizar vários
subterfúgios para construir seu julgamento e condenação. Pode, por exemplo,
criar histórias fictícias que se contradizem a si mesmas ou que contradizem as
informações reais que ele tem do condenado. Estas histórias fictícias, que
podem estar em total contradição com a realidade concreta, servem para dar a
aparência de verdade e credibilidade ao julgamento, serve para criar
semelhanças onde existem diferenças e assim criar confusão ao invés de
elucidação.
O moralista, com sua mania de julgar,
muitas vezes acaba ultrapassando o julgamento moral e acaba adentrando ao
julgamento intelectual. No entanto, a forma permanece moralista, pois ao invés
de seguir a lógica do trabalho intelectual, segue o mesmo processo moralista. E
é aqui que o moralista se torna mais irritante. Ele ganharia mais se ficasse
apenas na frivolidade de seu moralismo. Por isso mistura muitas afirmações
não-fundamentadas, seguindo a lógica moralista, mas contrariando a lógica do
trabalho intelectual. Também faz afirmações contraditórias e utiliza frases de
outros (reais ou fictícias) para reforçar seu julgamento. Também pode, para
legitimar o julgamento intelectual, lançar mão de uma epistemologia pobre, e
apenas citada, nunca fundamentada. Este procedimento pode ser complementado por
comparações sem sentido, tal como utilizar críticas de um autor ao
funcionalismo e aplicá-la a um marxista... Também pode se declarar o modelo de
intelectual a ser seguido e tudo que o condenado tem de oposto é passível de
julgamento e condenação. Pode até mesmo transformar seus defeitos em virtudes a
serem seguidas.
O moralista condena o outro não
percebendo que, no fundo, condena a si mesmo. Ele utiliza uma espécie de
reducionismo ao projetar suas motivações nos outros. Um academicista, por
exemplo, irá interpretar tudo pela ótica do academicismo. Um moralista
academicista, por sua vez, mesmo que citando textos pseudocientíficos (e
igualmente moralistas) ou que realizam o processo de isolamento fantástico de
determinadas relações sociais, irá realizar o duplo processo de moralizar e
academicizar qualquer questão.
O moralista cai em contradição, comete
injustiças e utiliza procedimentos condenáveis até pelos seus próprios
critérios moralistas. Isto tudo não interessa, pois ele tem, não se sabe por
qual motivação real (se conservadorismo puro, divergências políticas,
fetichismo profissional, mascaramento de suas próprias limitações intelectuais,
ou qualquer outro motivo), que dar "lições de moral". Na sociedade
capitalista - competitiva e conflituosa - todo indivíduo lança mão de alguma
"qualidade" para poder competir (a força, a inteligência, os
diplomas, a beleza, a honestidade, a moral, etc.). Como diz o ditado popular,
"quem não tem cão, caça com gato". Deixemos, então, os moralistas
caçarem com seus gatos...
Nildo Viana, do Informe e Crítica
Notas:
1- VIANA, Nildo. A Filosofia e sua Sombra. Goiânia, Edições Germinal, 2000.
2 - ILLICH, Ivan. Sociedade sem Escolas. 5ª edição, Petrópolis, Vozes, 1979.
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