Transformar
princípios e valores em atitudes que beneficiam toda a sociedade é um exemplo
de cidadania.
Atitudes como
não jogar lixo na rua, dar lugar ao idoso em meios de transporte coletivo e
esperar que as pessoas saiam do metrô antes de entrar são questões corriqueiras
na vida da população que se encaixam perfeitamente na concepção de cidadania
pretendida pelo cientista jurídico Ovídio Jairo Rodrigues Mendes. "No
entanto, pela correria diária, essas atitudes não são observadas e acabam por
se tornar problemas sociais. E a cidadania requer aprendizagem e prática, sob
pena de funcionar como mero rótulo", destaca. Mendes estudou o tema em sua dissertação
de mestrado " Concepção da Cidadania", apresentada em 2010 na
Faculdade de Direito (FD) da USP. De acordo com o cientista jurídico,
simbolicamente, comportar-se como cidadão implica em quatro momentos: o
surgimento do problema social (questões que afetam a comunidade), entendimento
e análise lógica desta questão, procura racional de uma solução adequada para o
caso, e a confirmação, para o cidadão, de que a solução encontrada satisfaz o
problema social enfrentado.
Para Mendes a questão da cidadania está,
hoje, mais vinculada a uma relação de consumo do que a um processo de formação
de personalidade. "Quando a pessoa vai fazer um documento no Poupatempo,
ela pega um pedaço de papel e, com este ato, se considera um pouco mais cidadã.
Mas cidadania não é isso: é viver em harmonia com o outro, transformar
princípios e valores em atitudes que não beneficiam só interesses individuais,
mas interesses coletivos. Por exemplo, eu varro a rua para evitar que o lixo se
acumule e prejudique tanto a mim quanto aos meus vizinhos", explica. Segundo o pesquisador, a concepção de
cidadania adquire seu formato de acordo com o problema a afligir a comunidade.
O jurista argumenta que "talvez por isso seja tão difícil ser cidadão,
principalmente em um país de tradição democrática recente como o Brasil e onde
a educação formal não é valorada como elemento fundamental na diferenciação
entre 'súdito' [aquele que simplesmente segue a vontade do governante] e
'cidadão' [capacidade para procurar e agir de maneira mais autônoma possível
em prol de interesses próprios, limitado tão somente pelo ordenamento legal e
pelo respeito ao bem comum]". A pesquisa de Mendes não teve a intenção
de limitar-se às doutrina jurídicas (teorias de direito) e à jurisprudência
(decisões do tribunais). O foco foi direcionado para "buscar uma maneira
de elaborar uma teoria que o público comum e não só cientistas jurídicos ou
pessoas esclarecidas se identificassem para uma conceituação do que seja
cidadania".
Para realizar o estudo, o cientista
jurídico considerou diferentes tipos de narrativa sobre a conceituação de
cidadania nas teorias dos filósofos Aristóteles, Thomas Hobbes e Jean-Jacques
Rousseau; passando a uma análise das transformações sofridas pela concepção do
termo no pós-independência no Brasil Império, no Estado Novo e no processo de
redemocratização do Brasil, considerando questões políticas e econômicas; para,
ao final, levantar algumas hipóteses sobre a espetacularização da cidadania e a
transformação dos cidadãos em plateias para projetos de poder de políticos
profissionais, principalmente na fase brasileira atual. Segundo o pesquisador, o estudo não
intenciona julgar as sociedades dos teóricos pesquisados e suas concepções de
cidadania, mas sim apenas tê-las como modelo-padrão para a formação de um
conceito baseado em valores e princípios simples de vida em sociedade, como o
respeito ao outro e o respeito à liberdade. Mendes assinala que a concepção de
cidadania para não ser apenas formal, requer a capacidade de a pessoa dispor de
objetivos racionalmente possíveis de como tornar concretos seus ideais.
"Como toda regra, a formulação teórica de uma concepção de cidadania tem
como primeiro passo a intuição para a identificação de regras sobre o assunto
dentro da Constituição ou de leis inferiores, tornando a sua definição mais
palpável ou palatável ao cidadão comum ", diz.
Visão egocêntrica de mundo
O pesquisador, no entanto, não se limita a questões individuais. "Muitas decisões governamentais não privilegiam a sociedade como um todo, mas o interesse de setores da população", conta. Ele cita o atual discurso de muitos meios de comunicação, sobre diversos acontecimentos cotidianos, como acidentes, enchentes, crimes. "Esse discurso vale-se de argumentações opinativas e não da lógica, e só acabam por inflamar a teia de queixas e reclamações vazias. Assim, os 'cidadãos' reclamam da ausência do Estado porque precisam encontrar um culpado pois pagam impostos e, por isso, devem ser servidos; enquanto que, do outro lado, o Estado se defende das reclamações, acusando os cidadãos de serem os provocadores para todas as desgraças cotidianas", destaca. "A culpa está ao mesmo tempo dos dois lados. Falta a consciência de cada um ou uma orientação que esclareça dentro do conceito de cidadania a diferença entre achismos e racionalidade. O achismo é o não viver, pois não há reflexão; a racionalidade é ter a capacidade de interagir, de buscar causas e soluções, que se proponham críticas e equilibradas quanto a interesses individuais e coletivos", conclui.
Fonte:http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/Edicoes/0/exercicio-da-cidadania-requer-aprendizagem-e-pratica-207231-1.asp
do
Sociologia é o limite
Maio 2012
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