"As crianças, vêem, ouvem e calam, especialmente em dias como estes, em que
tudo está a mudar e nós devemos seguir essas pegadas para ultrapassar a
miséria. A criança fala, mas não entende do mundo dos mais velhos, menos ainda
de finanças, acordos partidários e convénios políticos e sindicais.
1. A
criança (A)
Foi a frase de uma das
pessoas que trabalha comigo, durante um Seminário de Etnopsicologia da
Infância, a decorrer durante o ano académico. De imediato várias ideias
saltaram na minha cabeça. A primeira coisa que me ocorreu foi perguntar: o que
é uma criança? Conceito definido por teorias de várias escolas que percorrem o
mercado da erudição académica, já
comentadas no Cap. anterior. No entanto, a criança é uma entidade heterogénea
de idades diferentes: há a cronologia que acompanha o transcorrer da sua vida,
há capacidades definidas conforme as possibilidades de entendimento do real há
o contexto que rodeia os mais novos e os adultos que definem o conceito.
A ideia é analisada no Curso de Etnhopsyquiatrie e de Etnopsicologie
francesa, texto que apoia o desenvolvimento da minha hipótese sobre a etnopsicologia da infância[1]: “L’ethnopsychiatrie est une
méthode d’investigation qui s’efforce de comprendre la dimension ethnique des
troubles mentaux et celle, psychiatrique, de la culture. La classification des
maladies est différente d’une culture à l’autre. Le “Shaman” a un rôle de
“psychanalyste autochtone” faisant appel à des mythes sociaux. C’est quelqu’un
de déviant, catalyseur de la communication vers le savoir sacré, interprète du
divin auprès du commun des mortels. L’ethnopsychiatrie
se donne pour but de donner un sens culturel à la folie.
La
culture est l’ensemble des matériaux dans lesquels nous (individu et société)
puisons pour élaborer nos expériences. La nature c’est l’expérience, et la
culture c’est l’élaboration de cette expérience. Cette élaboration se fait
selon une organisation, une structure, un ensemble de règles et de signifiants
propres à chaque ethnie. Ces règles et ces signifiants sont à la fois relatifs
et universels (Une ethnie est un groupe qui partage les mêmes signifiants
culturels). Une culture donnée imprègne les individus, et ces derniers
transforment leur culture. L’individu doit intérioriser la culture du groupe
dans lequel il est né, et s’y tailler une place. Le groupe quant à lui, doit
l’intégrer en lui donnant l’exercice d’un rôle, d’une fonction, et transmettre
sa culture par l’éducation. L’ethnopsychiatrie
peut aussi se définir comme étant l’étude du rapport entre: Un comportement
psycho-pathologique, des services thérapeutiques et les cultures d’origine du
patient et de son thérapeute. Une telle analyse doit alors reposer sur une
série de postulats concernant la culture et la personnalité. Ces choix de
départ guideront la façon dont on définira le champ des questions et des problèmes[2].
Por outras
palavras, as formas de entendimento do real acabam por ser diferente entre uma
cultura e outra, donde natureza é experiência e cultura elaboração dessa
experiência. Esta ideia que queria salientar, derivada de três autores para nós
importantes. São eles: Alfred Kroeber, Clyde Kluckhohn e
Claude Lévi-Strauss, especialmente no seu texto La pensée sauvage[3]. Estes três
autores, de forma diferenciada, dão uma pista para entendermos que todo grupo
social tem uma forma diferente de classificar os seus e de hierarquizar as
formas de pensamento. Lévi-Strauss vai longe na sua forma etnológica de
estudar a realidade não para entrar no “pensamento do selvagem”, mas nas formas
de pensar universais. Para definir, para nós, o
pensamento em estado selvagem antes de entrar ou em contactos com outras
culturas ou enquanto se mantém a forma de definir o que citei ao começo: “definir
as formas étnicas dos problemas mentais”. Note-se que não falo de mente
“doente”, mas da dimensão étnica, de entender como a cultura contextualiza o
pensamento das pessoas de um grupo social. Pelo que, o autor fala de mito, clã,
a lógica destas classificações, definidas como correspondentes ao comportamento
das categorias, ou formas de classificar as formas de interacção social
conforme as actividades desempenhadas pelo indivíduo dentro da sua etnia e
grupo social e clãnico. Este entendimento desenvolve as ideias do particular e
do universal dentro de uma redescoberta do tempo, que une o geral ao
particular, o abstracto ao concreto.Pelo que na citação referida no parágrafo
2, a cultura é definida como o conjunto dos materiais dentro dos quais nós –
indivíduos e sociedade, somos capazes de elaborar as nossas experiências. O
indivíduo interioriza a cultura do grupo para se organizar no espaço que lhe é
conferido – conforme as suas capacidades e o espaço social dentro do qual
nasceu – pelo próprio grupo que impinge a cultura através do sistema educativo[4].
Por outras palavras, a minha intenção com a citação referida e os seus
comentários, é ser capaz de entender que temos duas alternativas: ou analisamos
comportamentos “modelares de doença” individual por afastamento do agir
cultural; ou analisamos a cultura para entender o seu processo estrutural como
forma de agir sobre o indivíduo e o seu grupo, no presente e através do tempo
histórico. O que me leva a voltar a citar a
última parte do 2º parágrafo do texto supracitado: “Estas
regras e o seu significado são, ao mesmo tempo, relativas e universais…Uma
cultura determinada impregna os indivíduos, enquanto estes a transformam”[5].O indivíduo precisa interiorizar a
cultura dentro da qual nasce e organizar um espaço social para ele. Esta frase,
para mim, é fundamental para entendermos o meu objecto de pesquisa, que
definiria apenas assim: qual a base da dinâmica do comportamento da criança?
Pergunta de difícil resposta, não apenas por causa das, já referidas, diferentes
culturas impingidas, bem como pelas diferentes escolas que recentemente têm
definido, que a criança é um ser traumatizado, como disse ao citar Boris
Cyrulnik no encerramento do Capítulo anterior[6].
Bem podia dizer que uma criança é um ser inocente, sem responsabilidade,
como define o Código de Direito Civil citado antes, e o de Direito Canónico[7]. Este Código, com valor legal em
Portugal, não define menor, mas por oposição, ao definir maior, ficamos a saber
que um menor não tem pleno exercício dos seus direitos: não pode comprar e
vender, casar, procriar, viver de forma autónoma, etc."(…)
Raul Iturra
Julho 2011
Aventar
Sem comentários:
Enviar um comentário