sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Falar, entender...as crianças (I)




"As crianças, vêem, ouvem e calam, especialmente em dias como estes, em que tudo está a mudar e nós devemos seguir essas pegadas para ultrapassar a miséria. A criança fala, mas não entende do mundo dos mais velhos, menos ainda de finanças, acordos partidários e convénios políticos e sindicais.

1. A criança (A)

Foi a frase de uma das pessoas que trabalha comigo, durante um Seminário de Etnopsicologia da Infância, a decorrer durante o ano académico. De imediato várias ideias saltaram na minha cabeça. A primeira coisa que me ocorreu foi perguntar: o que é uma criança? Conceito definido por teorias de várias escolas que percorrem o mercado  da erudição académica, já comentadas no Cap. anterior. No entanto, a criança é uma entidade heterogénea de idades diferentes: há a cronologia que acompanha o transcorrer da sua vida, há capacidades definidas conforme as possibilidades de entendimento do real há o contexto que rodeia os mais novos e os adultos que definem o conceito.

A ideia é analisada no Curso de Etnhopsyquiatrie e de Etnopsicologie francesa, texto que apoia o desenvolvimento da minha hipótese sobre a etnopsicologia da infância[1]: “L’ethnopsychiatrie est une méthode d’investigation qui s’efforce de comprendre la dimension ethnique des troubles mentaux et celle, psychiatrique, de la culture. La classification des maladies est différente d’une culture à l’autre. Le “Shaman” a un rôle de “psychanalyste autochtone” faisant appel à des mythes sociaux. C’est quelqu’un de déviant, catalyseur de la communication vers le savoir sacré, interprète du divin auprès du commun des mortels. L’ethnopsychiatrie se donne pour but de donner un sens culturel à la folie.

La culture est l’ensemble des matériaux dans lesquels nous (individu et société) puisons pour élaborer nos expériences. La nature c’est l’expérience, et la culture c’est l’élaboration de cette expérience. Cette élaboration se fait selon une organisation, une structure, un ensemble de règles et de signifiants propres à chaque ethnie. Ces règles et ces signifiants sont à la fois relatifs et universels (Une ethnie est un groupe qui partage les mêmes signifiants culturels). Une culture donnée imprègne les individus, et ces derniers transforment leur culture. L’individu doit intérioriser la culture du groupe dans lequel il est né, et s’y tailler une place. Le groupe quant à lui, doit l’intégrer en lui donnant l’exercice d’un rôle, d’une fonction, et transmettre sa culture par l’éducation. L’ethnopsychiatrie peut aussi se définir comme étant l’étude du rapport entre: Un comportement psycho-pathologique, des services thérapeutiques et les cultures d’origine du patient et de son thérapeute. Une telle analyse doit alors reposer sur une série de postulats concernant la culture et la personnalité. Ces choix de départ guideront la façon dont on définira le champ des questions et des problèmes[2].  

Por outras palavras, as formas de entendimento do real acabam por ser diferente entre uma cultura e outra, donde natureza é experiência e cultura elaboração dessa experiência. Esta ideia que queria salientar, derivada de três autores para nós importantes. São eles: Alfred Kroeber, Clyde Kluckhohn e Claude Lévi-Strauss, especialmente no seu texto La pensée sauvage[3]. Estes três autores, de forma diferenciada, dão uma pista para entendermos que todo grupo social tem uma forma diferente de classificar os seus e de hierarquizar as formas de pensamento. Lévi-Strauss vai longe na sua forma etnológica de estudar a realidade não para entrar no “pensamento do selvagem”, mas nas formas de pensar universais. Para definir, para nós, o pensamento em estado selvagem antes de entrar ou em contactos com outras culturas ou enquanto se mantém a forma de definir o que citei ao começo: “definir as formas étnicas dos problemas mentais”. Note-se que não falo de mente “doente”, mas da dimensão étnica, de entender como a cultura contextualiza o pensamento das pessoas de um grupo social. Pelo que, o autor fala de mito, clã, a lógica destas classificações, definidas como correspondentes ao comportamento das categorias, ou formas de classificar as formas de interacção social conforme as actividades desempenhadas pelo indivíduo dentro da sua etnia e grupo social e clãnico. Este entendimento desenvolve as ideias do particular e do universal dentro de uma redescoberta do tempo, que une o geral ao particular, o abstracto ao concreto.Pelo que na citação referida no parágrafo 2, a cultura é definida como o conjunto dos materiais dentro dos quais nós – indivíduos e sociedade, somos capazes de elaborar as nossas experiências. O indivíduo interioriza a cultura do grupo para se organizar no espaço que lhe é conferido – conforme as suas capacidades e o espaço social dentro do qual nasceu – pelo próprio grupo que impinge a cultura através do sistema educativo[4].

Por outras palavras, a minha intenção com a citação referida e os seus comentários, é ser capaz de entender que temos duas alternativas: ou analisamos comportamentos “modelares de doença” individual por afastamento do agir cultural; ou analisamos a cultura para entender o seu processo estrutural como forma de agir sobre o indivíduo e o seu grupo, no presente e através do tempo histórico. O que me leva a voltar a citar a última parte do 2º parágrafo do texto supracitado: “Estas regras e o seu significado são, ao mesmo tempo, relativas e universais…Uma cultura determinada impregna os indivíduos, enquanto estes a transformam”[5].O indivíduo precisa interiorizar a cultura dentro da qual nasce e organizar um espaço social para ele. Esta frase, para mim, é fundamental para entendermos o meu objecto de pesquisa, que definiria apenas assim: qual a base da dinâmica do comportamento da criança? Pergunta de difícil resposta, não apenas por causa das, já referidas, diferentes culturas impingidas, bem como pelas diferentes escolas que recentemente têm definido, que a criança é um ser traumatizado, como disse ao citar Boris Cyrulnik no encerramento do Capítulo anterior[6].

Bem podia dizer que uma criança é um ser inocente, sem responsabilidade, como define o Código de Direito Civil citado antes, e o de Direito Canónico[7]. Este Código, com valor legal em Portugal, não define menor, mas por oposição, ao definir maior, ficamos a saber que um menor não tem pleno exercício dos seus direitos: não pode comprar e vender, casar, procriar, viver de forma autónoma, etc."(…)

Raul Iturra

Julho 2011

Aventar

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