«Dois fatores favorecem grupo que sequestrou
duzentas meninas: pilhagem do país por transnacionais petroleiras e
assassinados praticados pelos EUA, por meio de drones.
É quase inacreditável que mais de duzentas garotas possam ter sido ser sequestradas
de uma escola no norte da Nigéria — em ação realizada pelo grupo
terrorista Boko Haram — e ameaçadas em um vídeo, exibido no mundo
inteiro, sendo vendidas como escravas por seus capturadores. A descrença
é ampliada pelas notícias de hoje de que, ao longo da noite, mais oito meninas
foram sequestradas por homens armados, supostamente do Boko Haram, no
nordeste da Nigéria. A tragédia toca o coração de todos, evocando um
sentimento de asco não só pelo perigo e a perda da própria liberdade,
mas pelo pressuposto de que para jovens garotas, seu destino deve ser o
casamento forçado e a servidão, não a educação.
Existe uma revolta justa, pelo fato de que tão pouco tenha sido feita
pelo governo nigeriano para encontrar as meninas, e por terem sido
acusados de causar tumulto, ou mesmo presos temporariamente, muitos dos
que se manifestaram contra o presidente Goodluck Jonathan.
Mas devemos ser cautelosos com a narrativa que está emergindo.
Ela segue um padrão familiar desgastado, que já vimos no sul da Ásia e
do Oriente Médio, mas que está sendo crescentemente aplicado também na
África.
É o refrão de que algo deve ser feito; e que “nós” — o ocidente
iluminado — deveríamos nos encarregar de fazê-lo. A fala da senadora
norte-americana Amy Klobuchar é exemplar a esse respeito: “Este é um
daqueles momentos em que nossa ação ou inação será sentida não apenas
por aquelas garotas da escola que estão sequestradas e por suas famílias
que esperam em agonia, mas pelas vítimas e criminosos de tráfico de
mulheres ao redor do mundo. Agora é o momento de agir.”. Começa a surgir
um chamado por intervenção ocidental para ajudar a encontrar as
garotas, e a “estabilizar” a Nigéria no rescaldo de seu sequestro. O
governo britânico já ofereceu “ajuda prática”.
As intervenções do ocidente têm falhado, uma após a outra, ao lidar
com problemas particulares. Pior: levam a mais mortes, deslocamentos e
atrocidades do que já eram enfrentados originalmente. Tudo isso tem sido
justificado, frequentemente, com referências ao direito das mulheres. É
como se as forças militares pudessem criar uma atmosfera em que
terminam a violência e o abuso. As evidências apontam para o contrário.
O direito das mulheres foi um grande pretexto para a guerra do
Afeganistão, iniciada em 2001, quando Laura Bush e Charlie Blair — as
esposas dos chefes de governo dos EUA e Grã-Bretanha — apoiaram os
planos bélicos de seus maridos, apresentando-os como suposto meio de
libertar as mulheres afegãs. Hoje, após milhões serem desalojados e
dezenas de milhares mortes, o Afeganistão continua sendo um dos piores
países do mundo para mulheres viverem, com casamento forçado, casamento
infantil, estupro e outras atrocidades ainda amplamente presentes.
E já há intervenção ocidental na África. Ela não tem o mesmo
perfil do Afeganistão ou Iraque, porque as guerras passadas dificultaram
as tentativas de agir diretamente por meio de tropas. Mas Barack Obama
tem forças militares mobilizadas na África Ocidental através de sua base de drones Predator, no Níger, que faz fronteira com a Nigéria. Esta também é vizinha do Mali (cena de intervenções recentes
da França e da Inglaterra) e da Líbia, alvo de uma guerra ocidental de
bombardeios desastrosa em 2011, que deixou o país em estado de guerra
civil e colapso.
Os drones norte-americanos também operam no Djibuti, Etiópia e logo
além lado do Mar Vermelho, no Iêmem. O Ocidente envolveu-se em guerras
por procuração recentes, na Somália. Se o terror
islâmico tornou-se ameaça em cada vez mais pontos da África, os países
ocidentais desempenharam um grande papel em sua criação.
Mas há outra guerra acontecendo na África: a econômica. Um continente
tão rico em recursos naturais vê muitos de seus cidadãos viverem em
condições indignas. Na Nigéria do presidente Jonathan, o crescimento
econômico não foi direcionado aos pobres. A saúde e a educação estão
fora do alcance de muitos.
A corrupção espalha-se. Exércitos e armas são mobilizados para
proteger os ricos e as empresas estrangeiras, como a Shell — que quer
acesso aos recursos do país, especialmente o petróleo. Corrupção e
desigualdade estão associadas ao papel do Ocidente. Fazem parte de um
sistema que está preparado para começar uma guerra por recursos como
petróleo e gás, mas não entrará em guerra contra a pobreza, ou para
garantir educação para todos.
É neste cenário que está inserido o terrível sofrimento das meninas
sequestradas na Nigéria. E não vai melhorar com mais armas ocidentais e
exércitos — na terra ou no ar.»
Lindsay German | Tradução: Gabriela Leite
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