segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Concertos

Bon Jovi Concert StageImage by Anirudh Koul via Flickr


António Campos

Os grandes concertos, dizem os adolescentes, realizam-se em Alvalade. De entre os actuais ritos de passagem que caracterizam a passagem para uma relação mais autónoma com os pais e prenunciam a chegada da idade adulta, este é sem dúvida dos mais importantes. Quando um jovem começa a sair à noite, porque a série americana da televisão lhe diz pouco, (...), vai chegar o dia em que se vai confrontar com os pais para falar do próximo concerto em Alvalade.

É muitas vezes um momento difícil para uma família. O filho sabe o que os pais pensam sobre os grupos modernos, já está habituado a ouvir comentários da mãe sobre o uso de drogas pelos cantores, não pode esquecer como o pai chama a todos «amaricados». Às vezes passa-lhe pela cabeça nada dizer, inventar uma desculpa qualquer e chegar a casa logo a seguir ao concerto... Os pais vêem a publicidade, os vídeo-clips da televisão ou ouvem conversas que os deixam ansiosos.

Descrições de concertos anteriores, onde existiu droga e violência, não podem tranquilizá-los. As biografias dos heróis das bandas rock são inquietantes, os concertos são caros, os discos fazem um barulho enorme para os pais cansados do trabalho. Um adolescente normal não se identifica com um agitado cantor rock. Interage com ele, projecta no artista alguns dos seus impulsos e sobretudo vive a magia de estar em grupo com os amigos. Para alguns jovens, é o primeiro contacto com o haxixe fumado mais ou menos às claras, ou com uma desinibição afectivo -sexual que não é permitida na escola secundária.

A evasão que a música e o estádio de futebol permitem faz saltar, por vezes, aquele adolescente que sentia o corpo a transformar-se, que não conseguia manifestar bem alto a inquietação. Ou possibilita um encontro mais íntimo a um grupo - pessoas podem-se tocar à vontade - ou a aparente companhia para quem está só, como tantas vezes sucede na adolescência.

Há uma magia muito especial nestas noites. A luz, a música, o estar livre, o ir em grupo, o poder gritar com força aquilo que só se diz em segredo, faz com que seja importante para o adolescente não ficar em casa quando o desafiam a ir também. Quando não há bilhetes, inventam-se estratégias divertidas, como aquele casal de jovens namorados que mostrava um cartaz criativo, a solicitar que alguém com ideias arejadas vendesse um bilhete. Muitas vezes entra-se à borla, de empurrão, por um porteiro inexperiente, ou após uma série de histórias contadas sem cessar. O importante é estar, às vezes mais até que a própria música ou o que se combinou anteriormente.

Daniel Sampaio, Inventem-se Novos Pais, (adaptado)


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