sexta-feira, 25 de março de 2011

A grande ofensiva do capitalismo financeiro global (1)

Ronald Reagan and Nancy Reagan greet Prime Min...Image via Wikipedia



António Campos


Desde o início dos anos 80 que se assiste a um fortíssimo ataque do grande capital financeiro contra o trabalho. Nos últimos 20 anos, a expansão do crédito conseguiu disfarçar os seus efeitos, mas originou diversas “bolhas”, cujo rebentamento está no cerne da actual crise. Como nem tudo é mau, esta teve, pelo menos, o condão de colocar a nu essa ofensiva, cujos efeitos começamos a sentir na pele. Como chegámos até aqui?

A ruptura do consenso keynesiano do pós-guerra e a sua substituição pelo consenso de Washington, pedra angular da globalização neoliberal, marca esse ataque do capital contra o trabalho a partir da década de 80. Os choques petrolíferos da década anterior deixaram de permitir que o grande capital ocidental mantivesse as margens de lucro que conseguia obter até então e que lhe permitiam a “magnanimidade” de aceitar a redistribuição de alguma riqueza pelo trabalho, com a vantagem de contribuir, igualmente, para a manutenção da paz social e retirar base de apoio aos partidos comunistas e a outros grupos de esquerda. Ao mesmo tempo, a incapacidade de responder aos anseios de liberdade dos seus povos e à mudança do paradigma tecnológico prenunciava a queda do bloco “comunista”. A democracia política e as liberdades cívicas (por oposição ao totalitarismo do “outro lado”) e o Estado-providência (que possibilitou uma vida digna à esmagadora maioria da população) foram, em minha opinião, os grandes responsáveis pelo triunfo do bloco capitalista na “guerra fria”.

Porém, com o sistema alternativo derrubado e desacreditado, aqueles passam a ser vistos como empecilhos pelo capital internacional, que acelera o seu plano de recuperar as margens de lucro anteriores, através da contenção salarial e da retirada de direitos aos trabalhadores. A ideia é generalizar os modelos que Reagan e Thatcher aplicaram nos seus países no início dos anos 80. Para tornar possível esse objectivo, convence os governos a assinar os acordos do GATT/OMC, que liberalizam não apenas grande parte do comércio mundial mas também os movimentos de capitais. Isso representou um golpe terrível no poder dos Estados nacionais (e mesmo de organizações regionais como a UE), pois, enquanto a sua soberania se restringe aos seus territórios, o grande capital (em especial, o financeiro) passou a poder movimentar-se livremente por todo o mundo, ou seja, desterritorializou-se e tornou-se global. Consequentemente, operou-se uma financeirização da economia mundial, com vastos movimentos de capitais de carácter especulativo sem tradução na economia real. Ao mesmo tempo, verificam-se as megafusões de empresas e participações cruzadas entre estas, igualmente com forte presença do sector financeiro. Esta transnacionalização do capital vai minar um dos fundamentos do Estado-providência europeu: a redistribuição por via fiscal, grande fonte do seu financiamento. Por sua vez, vai facilitar a deslocalização de empresas para países com custos salariais, fiscais e ambientais mais baixos.

A adesão da China à OMC constitui a “cereja no bolo”. Detendo um quinto da Humanidade e dirigida com “mão-de-ferro” pelo partido comunista, mas desejosa de se integrar na economia mundial, não só representa um dos mercados com maior margem de progressão mas também dispõe de uma mão-de-obra abundante, barata e sem quaisquer direitos políticos e/ou laborais. Além disso, possui uma legislação ambiental e de segurança extremamente permissiva. Ironicamente, a China “comunista” torna-se o paraíso, não dos trabalhadores, mas do capital. A maioria das grandes empresas deslocaliza para lá as fases menos nobres da produção, acelerando o desemprego no mundo desenvolvido. Estão, assim, criadas as condições para a ruptura do contrato social do pós-guerra: no ocidente, os trabalhadores, ou aceitam reduzir salários e perder regalias, ou vão para o desemprego.

Jorge Martins
Nov.2010

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