terça-feira, 10 de maio de 2011

Atoardas, falatórios, boatos e até calúnias...

Rumor Has It…Image via Wikipedia



António Campos


Sempre que alguém anuncia que vai procurar explicar como nasce, cresce e morre um boato, vou logo a correr, pressuroso, procurar perceber o que está por detrás do permanente sucesso do meio de comunicação mais antigo do mundo, baseado no” diz-se” e “consta”.

Em “Mitos Urbanos e Boatos”, a jornalista Susana André afoita-se numa investigação em torno de boatos consolidados, nacionais e estrangeiros, conta histórias de medos, de sexo, de ocorrências fantásticas, de assassinatos de carácter, guerras entre empresas, presunções, investidas e insidias com racismo, religião, ajustes de contas; ilustra até com histórias que se contam sobre gente famosa e que não têm nenhuma base de sustentação (A Esfera dos Livros, 2010.O que singulariza o boato? Algo de quem ninguém sabe a fonte, é posto a correr nas ruas, nos locais de trabalho, na internet.

Por mais que se procure o seu controlo, o boato, que goza de má fama, mas que nos faz pôr o nariz no ar, às vezes nasce de confusão ou mesmo de uma réstia de fundamento, sobrevive e eclode como vírus potente. É um fenómeno social incontrolável. Todas as explicações em torno do boato ficam obrigatoriamente incompletas: podem justificá-lo como catarse, podem corresponder a pavores que mobilizam multidões, actuando premonitoriamente, à frente dos investigadores, podem ser peças de propaganda, podem ser o que os antropólogos, sociólogos e psicólogos possam supor, mas nunca o boato cabe numa norma plausível e universal, é o media mais imprevisível de todos os tempos.

Susana André começa por se debruçar sobre os mitos urbanos, pequenas histórias com argumentos fantásticos, com difusão à margem da comunicação social. São relatos que muitas vezes provocam angústia ou apreensão, insegurança, pavores sociais. Como ela escreve: “Para garantirem a eficácia da propagação, os mitos urbanos vestem muitas vezes a capa do bom samaritano; simulam alertas sobre situações de alegado perigo e apelam à necessidade de criar correntes de solidariedade que ajudem a travar os acontecimentos que narram: agulhas infectadas nas cadeiras dos cinemas, tatuagens infantis impregnadas de LSD, assassinos nos bancos traseiros dos carros”. São apresentados como alertas. Parecem cativar através de apelos à transmissão de muitos outros, são muitas vezes tomados como factos verdadeiros. São relatos instáveis, misturam conto e boato, lenda e fantasia, dados aparentemente credíveis e mentiras monumentais. Como é evidente, estas lendas urbanas pesam na opinião pública desacautelada, que muitas vezes se rende facilmente à aparente boa vontade de quem nos vem alertar, até disfarçado de entidade científica.

Mudando de agulha Susana André passa para os escândalos sexuais, o boato em que o político, o futebolista ou cançonetista têm envolvimentos com foros de escândalo. Também aqui ninguém afiança a proveniência da notícia, a origem é indetectável. O mesmo se dirá de heróis, ídolos, galãs, políticos que afinal não morreram e estão vivos, quem desapareceu foi um sósia: é um universo de especulações onde cabe Adolfo Hitler, Paul McCartney ou Jim Morrison. Passando para o noticiário e para a imagem, a autora lembra-nos o arrastão de Carcavelos, o que terá sido dito durante uma entrevista que depois ninguém consegue confirmar, a capacidade persuasiva do locutor que consegue arrastar a multidão até à histeria e ao pavor (exemplo clássico da emissão de 30 de Abril de 1938 em que Orson Welles simulou uma invasão marciana).

A internet é hoje o maior alfobre de atoarda e boataria. Como escreve a autora, “Ao abrigo de pseudónimos e moradas falsas, o ciberterrorismo é uma figura com futuro. Na terra dos blogues, redes sociais, virtuais e mensagens electrónicas, as velhas teorias da conspiração refrescaram-se e reproduziram-se”. Vídeos com montagens de figuras públicas, acusações de plágio, apelos de ajuda humanitária (caso dos pijamas para o IPO, um pedido que já tem barbas). Temos igualmente os boatos cor-de-rosa (Teresa Guilherme e Manuel Goucha Soares, Pinto da Costa e Maria Elisa…), a infinidade de boatos em torno dos famosos (onde estão sepultados, se fizeram filmes porno, qual é a verdadeira identidade Marilyn Manson…), das famílias reais, dos políticos (que por vezes não resistem à infâmia das calúnias e põem termo à vida). Há também a dimensão do boato que serve para atirar abaixo a concorrência, para pôr os consumidores apavorados: margarinas cancerígenas, hambúrgueres feitos com minhocas, a Coca-Cola apresentada como ultra desinfectante, os antitranspirantes que provocam cancro, os tampões íntimos que são tóxicos, etc., etc. Numa última e fértil linha da boataria, temos as conspirações e as distorções, a velha teoria da conspiração centrada nos judeus, jesuítas e maçons; mas também a dúvida de que o acontecimento científico é obra da manipulação (caso da chegada do homem à lua).

Como se vê, é escusado procurar uma linha lógica para a boataria: continua por se saber como floresce e se expande qualquer coisa que não é mas é tomado como autêntico, a capacidade de mentir e persuadir durante dias, meses e anos, há boatos que desaparecem e reaparecem com a mesma capacidade atordoar ou desorientar (é o caso da falsa lista dos aditivos cancerígenos) isto para já não falar no maquiavelismo das publicações cor-de-rosa, na tentativa de destruir o adversário político ou de manter a internet enxameada de sinais vermelhos. Boato é isto mesmo, um rumor circulante, muitas vezes corrosivo em que a atitude mais recomendável, em muitas situações, é, pura e simplesmente, não lhe dar ouvidos… ou tratá-lo como boato.

Beja Santos
Nov2010

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