sexta-feira, 13 de maio de 2011

Educar

Photo of Paulo FreireImage via Wikipedia



António Campos


Gostaria de partilhar com o leitor os primeiros conceitos que formaram a ciência da Antropologia. Enquanto pesquisava, encontrei as melhores ideias do melhor educador que conheci, além de Paulo Freire: o meu antigo professor, já falecido, Meyer Fortes.

O seu sentido da educação era profundo. Há uma história sobre ele, não estou certo de a ter transferido já ou não, por isso volto a referi-la da forma e maneira que Meyer Fortes me contou: corriam os anos 40, de facto, em 1945 do século passado, estudava a etnia Tallensi do Ghana (antiga Costa do Ouro) do Norte e um membro de chefia Tallensi, contava-me um episódio que tinha acontecido dentro da sua família, uma das suas filhas tinha sido violada por um guerreiro, que são os que mais ordenam, defendem o povo, arriscam a sua vida pelos outros, especialmente nas eternas guerras com os Ashante, os seus vizinhos, quer um quer outro entravam em terras que não eram deles, para pilhar. Numa dessas pilhagens a sua filha tinha sido abusada por um guerreiro Ashante. Contra os guerreiros nada pode ser feito, pelo que teve que aceitar o facto e adoptar a neta como filha. Como, aliás, acontece em muitos povos, os mais novos são filhos de todos os pais jovens se são da mesma fratria ou clã. Entre os Mapuche do Chile, no outro extremo do mundo, que tenho estudado durante anos, a família é semelhante, como entre os Massim da Melanésia, analisados por Malinowski ao longo de mais de dez anos, entre 1914 a 1922. Morava com eles, como Meyer com os povos mencionados e eu, com o clã Picunche da Nação Mapuche que habita no Chile e na Argentina.

Esta história, foi-lhe contada em frente de uma neta de poucos anos de idade. Puritano como era, Meyer perguntou ao Chefe, se era conveniente tratar de assuntos como este em frente de uma criança. Surpreendido, o seu interlocutor perguntou: e porque não? Por acaso ela não tem o direito a saber a história da sua família e a do seu povo? Como quer que narre a realidade e assim ela aprenda os factos que acontecem entre eles e que, se um dia lhe acontecer, saiba o que fazer. Saiba respeitar a quem merece e defender-se de quem não merece. Foi uma lição para Meyer. Aliás, foi assim que soube também como os Tallensi, tal como fazem os Ashante, ensinam cálculo de uma maneira sábia. Ainda meninos, são-lhes oferecidos pintainhos que os pequenos devem tomar conta e ao juntarem uma boa quantidade, as galinhas são trocadas por pequenos bisontes, porcos ou javalis, forma de acumular riqueza entre estes povos, e assim, na hora de casarem e formar um grupo doméstico, têm bens suficientes para tratar da sua família na terra comunal do clã de qualquer de um destes povos. Os mais novos aprendem agricultura e, já púberes, os guerreiros escolhem os mais fortes e ensinam-lhes artes marciais. A categoria adquirida é das mais altas, como narra o meu antigo professor, no seu texto de 1938: Sociological and psychological aspects of education in Taleland, na revista África, Vol. XI, nº 4, Londres, número especial.
Parece, caro leitor, que a educação entre estes povos é analógica, por outras palavras, a aprendizagem é por repetição, sistema abandonado pelas formas modernas de educar, que introduziu a dialéctica dentro dos estudos: parte da aprendizagem como é analisada por mim em 1994: educação, ensino ou aprendizagem?Texto ao que pode aceder aqui.

Educar é transferir o saber de uma geração para outra, cada vez mais corrigida e enriquecida pelos novos saberes. Parte deste processo, é ensinar lógica analógica; outra é deduzir ou lógica contraditória, aprendida pelos mais novos ao comparar um facto com outros diferentes (como a história de Portugal e a das suas colónias). Como narrativa, é a melhor forma de entender a realidade sócio histórica de um povo. Ou, para aprender aritmética, levar as crianças para o terreno para medir a terra, saber quantas sementes podem ai ser enterradas, calcular o tempo das colheitas ou ser-lhes explicado quantos grãos de trigo cabem dentro dos sulcos, a distância ente os grãos, para não ter uma colheita tão junta, que não se consegue cortar ou segar. Um exemplo: 8 foices de segar trigo são 4 foices de roçar o produto.

Educar, porém, é domesticar a mente selvagem da criança que ainda não sabe calcular. A melhor escola é o trabalho, mas a lei manda ir à escola e estudar como nas academias da Grécia Clássica: textos, explicações, mas sem prática nenhuma.

Como tenho dito noutros textos: educar é um conjunto de normas pedagógicas tendentes ao desenvolvimento geral do corpo e do espírito; conhecimento e prática dos usos da gente fina. Ou ainda, instrução, polidez e cortesia.

A primeira cortesia devia ser dos órgãos de soberania, para não mudar, como entende, os docentes de uma para outra escola nos anos seguintes. Sobretudo os docentes de Educação Especial que sabem ensinar crianças incapacitadas, favor que a nossa soberania nunca tem feito: cada ano os locais de ensino são diferentes sem as assembleias de pais serem consultadas. Assim, deparamo-nos com uma realidade injusta, fundamentalmente, para a criança, que para ser incentivada a aprender é punida na escola ou em casa…sítio em que falta a paciência aos adultos e o desejo de estudar à criança. A casa é para viver, a escola, para aprender.

Raul Iturra
Nov.2010

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