António Campos
“Se eu dou comida a um pobre, me chamam
de santo, mas se eu pergunto por que ele é pobre, me chamam de comunista.” (Dom
Hélder Câmara)
A defesa das causas dos pobres é uma tarefa muito árdua. Exige da gente mais do que compreensão, discursos e teorias, mas, sobretudo, compromisso e compaixão. Somos muito preconceituosos para com o sofrimento dos pobres.
A defesa das causas dos pobres é uma tarefa muito árdua. Exige da gente mais do que compreensão, discursos e teorias, mas, sobretudo, compromisso e compaixão. Somos muito preconceituosos para com o sofrimento dos pobres.
Desconhecemos sua realidade e não nos
dispusemos a mexer na raiz de nossos problemas: a nossa forma de organizar o
mundo. Entre nós é muito forte a ideia de que pobres são coitados, por isto
desprovidos de sorte e de bens. Se não lutam, são preguiçosos. Se lutam e
exigem, tornam-se perigosos. Mesmo quando passam fome, a gente insiste em dizer
que eles ainda são capazes de sonhar.
Só a lucidez da razão e a sensibilidade
podem tratar bem das questões da existência e convivência humanas. Na visão
ocidental, desenvolvemos a ilusão de que somente a razão nos dará respostas aos
problemas humanos. Nem a razão ornamental (que serve de ornamento), nem a razão
instrumental (ferramenta para transformar a realidade) são capazes de
justificar o sofrimento e a realidade daqueles que excluímos socialmente (os
pobres). Os pobres não são invenção, não são uma idéia. Os pobres são reais. Os
pobres existem, e sofrem a violação de sua vida e dignidade.
Leonardo Boff, defensor incansável das
causas dos pobres e oprimidos, afirma que são três as compreensões que se tem
da pobreza. Uma primeira, clássica, é a ideia de que o pobre é aquele que não
tem. A estratégia então é mobilizar quem tem para ajudar a quem não tem,
através de acções assistencialistas, sem reconhecer a potencialidade dos
mesmos. A segunda ideia, moderna, é aquela que descobre os potenciais do pobre
e compreende que o Estado deve fazer investimentos para que ele seja
profissionalizado e potencializado, com fins à inserção no mundo produtivo.
Ambas as posições desconsideram, na visão de Boff, que a pobreza é resultado de
mecanismos de exploração, que sempre geram enormes conflitos sociais. Boff
acredita que é preciso reconhecer as potencialidades dos pobres não apenas para
engrossarem a força de trabalho, mas principalmente para transformarem o
sistema social. Os pobres, organizados e articulados com outros atores da
sociedade, são capazes de construir uma democracia participativa, económica e
social. “Essa perspectiva não é nem assistencialista nem progressista. Ela é
libertadora”.
Só a compaixão reveste-se de libertação.
Compaixão não é sofrer pelos outros, mas sofrer com eles. O sofrer com os
outros permite à gente colocar-se em seu lugar. Enxergar a partir dos seus
pontos de vista e de suas realidades. É também deixar-se transformar,
permitindo que os nossos mais nobres sentimentos se traduzam em acções
concretas a favor dos pobres, fracos e marginalizados.
Poucos vivem a compaixão. Muitos
perderam a sensibilidade, o que os impossibilita de viver a caridade e o amor
ao próximo. Outros preferem atribuir aos pobres a culpa por sua situação de
miséria e vulnerabilidade. Outros discursam democracia, não perguntando se esta
propicia as mesmas condições e oportunidades a todos, como ponto de
partida. Põe que o ponto de chegada depende de cada um de nós. E
muitos, em grande número, tratam como crime a atitude de quem luta por causas
humanitárias, quando estas exigem uma mudança na estrutura e organização da
sociedade. “As pessoas são pesadas demais para serem levadas nos ombros.
Leve-as no coração”, disse Dom Hélder Câmara. Este o sentido maior da compaixão
para com os pobres: não os defendemos por serem bons ou anjos, mas porque são parte de uma sociedade desigual, que não
sabe lidar com eles.
Nei Alberto Pies,
professor e ativista em direitos humanos.
(imagem via
Wikipédia escolhida por mim)
Maio.2012
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