Falar de amizade masculina é um risco. O mundo latino
pensa, de imediato, que a linguagem amorosa é de uso exclusivo do universo
feminino ou, quanto muito, do foro íntimo de um casal heterossexual
(homem-mulher). Hoje em dia, há homens que rompem as barreiras classificatórias
dos sentimentos, recorrendo ao uso das palavras que, até há pouco tempo, eram
identificadas com a fragilidade do mundo feminino. Na minha opinião, o engano é
duplo: será que a mulher é tão frágil como se pensa e o homem tão masculino,
que não sabe brincar com palavras atribuídas ao casal? Nestes dias, falar de
camaradagem masculina pode levar a enganos, sobretudo a partir das novas leis.
Quanto à fragilidade feminina, com o mundo em crise financeira, é um facto
quase impossível. Facto que faz a mulher mais masculina que feminina: deve
trabalhar com todos os seus músculos e todo o seu corpo, caso se empregue como
mestre-de-obras. As palavras podem enganar sobre a pessoa da qual falamos.
As palavras não só definem, como especulei no meu
livro de 2010, Marx um devoto luterano, em edição, como também pensam e
levam-nos a enganos. Se um homem diz amo-te, sem sabermos de quem
se fala, podemos pensar que se declara a uma mulher, quando, de facto, está a
fazer uma galanteria ao seu pai, filho, irmão ou a um amigo da sua intimidade. Amar
não é uma palavra que é pensada como se só existisse no campo do feminino.
Grande engano, porque entregar e receber sentimentos de simpatia e intimidade,
é um sentimento universal. Parece-me que ninguém é capaz de viver sem essa
emotividade, que, por vezes, ocupa-nos todo o tempo, seja um ele ou uma ela e
de qualquer idade. Os sentimentos não têm sexo: existem ou não existem. Pode-se
amar um amigo, uma amiga, dito por outras palavras, os sentimentos são
sexualizados por quem fala ou pelo sentimento que experimentamos por alguém.
Tenho consultado todos os dicionários, todos eles envolvem a sexualidade
desnecessariamente, ao definir amor como a paixão que se sente por alguém,
sendo paixão o desejo de tomar conta de uma pessoa, de dar a nossa asa a quem
gostamos muito, com respeito, confiança e sinceridade. Essa pessoa a quem
contamos os nossos segredos mais íntimos, na certeza que ficam apenas com ela.
O que é, porém, a paixão? O sentimento de uma grande inclinação ou predilecção
por um ser que até pode, repare leitor, levar ao sentimento
libidinalpredileção, definido por Freud (seguido pelos seus discípulos) a
partir do texto de 1923: O ego, o superego o isso ou Id. Neste
triângulo, o Isso ou Id tem o papel de vigiar que um superego qualquer queira
fagocitar à pessoa que se diz que se ama. Grande pecado, para os que acreditam
numa divindade, crime para quem o faz por divertimento, como no caso da Casa
Pia.
Este conjunto de pensamentos, nascem de uma
brincadeira que um amigo me fez: não se importe, em breve estou ai e vou ser
todo seu. Onde está o sexo de quem diz a frase? Está nas letras terminais da
mesma, que distingue masculino de feminino. Ora bem, qual a diferença entre as
duas vogais? O hábito de separar seres que, sem cerimónia, hoje em dia se podem
juntar, facto que tenho observado, em trabalho de campo, na análise da mente.
Uma altura, passava uma noite de natal ao pé de um grupo de camaradas, bêbados
até caírem, que passavam os braços pelo pescoço uns dos outros, de forma tão
fraternal, que comovia; havia também os mais novos que gostavam de acariciar um
corpo masculino, forte, bem formado, e o amigo mais velho deixava-se tocar: era
carinho! Ao passar por eles correu a voz: olha que vem ai o Senhor Doutor.
De imediato o seduzido, começou a bater no mais novo. Lá fui eu, à uma da
manhã, até ao lenho que ardia para aquecer a fria noite com neve, separei-os,
tomei-os pelo pescoço que cheirava a álcool, abracei-os e estabelecemos uma
conversa qualquer, acabando a minha intervenção com a frase os amigos não se
batem, amam-se e em amar não há pecado nem crime nenhum. Por ali ficámos
junto ao lenho e os meus camaradas, contaram-me alguns dos seus problemas,
sentimentos e traições de amar a mulher mãe dos seus filhos, mas seduzir outra.
Há hábitos e costumes que se calam ou se contam ao ser
da nossa intimidade, com calma, serenidade e confiança. A libido está no Id de
Freud de 1923, ou no de 1906: On sexuality, texto que define aberrações
cometidas com crianças, como a pedofilia e outras narrativas psicanalíticas. Diz-se
que o hábito não faz o monge, frase irónica e metafórica, por existirem vários
não monges, vestidos, como quem diz, de monge ou cordeiro. Há esse respeito,
esse amor que nasce da camaradagem de pessoas que demonstram o seu carinho com
o respeito das palavras usadas e o uso do corpo da outra pessoa. Há certa
distância que nasce da camaradagem, como tenho observado ao longo de cinquenta
anos de trabalho de campo. Até aparecer esse sentimento de amar que apenas se
demonstra com a libido em acção.
O meu problema é ser o totem das pessoas que estudo. A
maior parte das vezes contam factos que, se existem, não têm a segurança de
narrar. As crianças ainda não púberes, por não entenderem a sexualidade,
brincam aos casamentos, seja um ele com uma ela e vice-versa, ou dois eles,
especialmente se são camaradagens rituais, como entre os Picunche da
Cordilheira dos Andes, que estudei, os Baruya da Nova Guiné estudados por
Maurice Godelier, entre 1975 e 1979, ou Malinowski no arquipélago das Ilhas
Kiriwina, entre os Massim, entre outros. Actualmente, é raro o antropólogo que
faz trabalho de campo vivendo com os seus analisados. Ou, por outras palavras,
que corra o risco da camaradagem, como intitulei o presente o texto. Muitos
deles são de outra cultura e não dizem o que vêem entre os, por si, estudados.
Jorge Dias e Manuel Vieigas Guerreiro, foram capazes de observar a camaradagem
dos Maconde de Moçambique, mas silenciaram a vida libidinal que só veio a lume
na mais recente (acrescentada) edição do livro do António (Jorge Dias).
Persisto no trabalho de campo. Tenho tido a honra de
receber propostas de iniciação sexual por parte de outros homens, que tenho
rejeitado não por causa deles, mas pelos constrangimentos da minha cultura,
pois só em 2010, a camaradagem segredada entre homens, passou à luz do dia. Não
há distinção de sexualidade nesta minha hipótese de camaradagem entre homens,
que devo desenvolver com mais tempo e cuidado, a seguir…
Agosto
2011
Aventar
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