sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Falar, entender…as crianças (III)





"2. Primeira etapa: a pré-existência.

Se a criança entende ou não, é a pergunta para o começo da vida da mesma, definida desde a sua aparente pré-existência. Como já tenho dito e gostava de repetir, a criança é mais um facto cultural de como pequenos e adultos entendem aos cronologicamente mais novos do que um processo da realidade social. A questão é simples: o que é esse entender ou não de se ser criança e o que é que é possível falar em frente do, cronologicamente, mais novo? Os mais novos caracterizam-se por chorarem, às vezes sem motivo entendível. O pranto dos pequenos pode ser resultado de ouvir uma voz autoritária que faz correr, pensar, sentir, desesperar, se não conhecemos o motivo e a pessoa. Esse ser novo chora e ri desde o seu primeiro dia de existência. Os analistas de pequenos têm defendido que o bebé, como ser humano que sente e é emotivo, começa na gestação e, antes ainda, no imaginário dos pais que pensam produzir um ser humano. Defensor desta ideia é o referido Winnicott, bem como o conhecido Cyrulnik. É a ilusão dos adultos que leva a este tipo de pensamentos. “Como é que será o bebé, semelhante a quem, a cor dos olhos? E outras questões que são colocadas pelos progenitores. Não resisto sintetizar o que a escola francesa organicista de psicologia tem acumulado em saber no assunto do imaginário e da gestação de um outro ser humano e o papel de destaque atribuído aos progenitores durante a gravidez, especialmente o papel cultural alimentar e emotivo da mãe. A história analisada por eles, é assim:
“L’histoire de l’enfant commence dans l’imaginaire des parents. On l’imagine grand, beau, fort et plus tard riche. A partir du moment où on est deux (couple), on est déjà trois, même si l’enfant n’est pas encore pensé consciemment. Il y a toujours dans le désir d’avoir un enfant un besoin personnel à assouvir. Durant les 9 mois de grossesse, les parents font le deuil de l’enfant imaginaire. On divise les 9 mois en 3 périodes.

1ère période : Incorporation. Il faut acquérir l’identité maternelle, l’assimiler d’après la propre histoire de la femme : Quand elle était nourrisson, d’après ses rapports avec sa propre mère, son propre père, sa conception de l’enfant. Cela provoque chez la femme une régression. Elle se voit petite-fille, elle rêve beaucoup de son enfance (souvenirs). Elle pourra aborder sa grossesse soit comme un événement heureux, valorisant, soit avec l’angoisse due à la déformation corporelle, à la fatigue. L’ambivalence des sentiments de refus et d’acceptation pourra entraîner des vomissements, des malaises, des dégoûts…de l’instabilité. Les modifications hormonales toucheront l’humeur, la sexualité… La femme s’installe dans son nouveau statut, non sans heurts.

2ème période : L’enfant est accepté, il bouge, se distingue de la mère. C’est une période sereine. La femme se suffit à elle-même, son corps s’épanouit. Elle ressent une grande sensibilité au monde extérieur. Elle a retrouvé son dynamisme et éprouve beaucoup de bonheur à fabriquer son fœtus. (Notons qu’à ce niveau là, certaines femmes ressentiront de l’angoisse à l’idée de porter un être vivant, étranger à elles et vécu comme un parasite). La femme commence à concevoir son enfant comme différent d’elle. Le père acquiert son identité de père. Il aide psychologiquement la mère à porter l’enfant.

3ème période : Travail de séparation. Les parents confrontent l’enfant imaginaire à l’enfant réel. Un processus de deuil commence. L’enfant existe. Le processus de deuil doit être achevé à l’accouchement. L’enfant naîtra réel, autonome et différent. La femme pense à son accouchement, craint les douleurs, le risque de l’enfant mort-né, ou anormal.

L’enfant imaginaire est là pour combler un manque chez les parents. Après la naissance, l’enfant devient d’un coup réel. Cela n’est pas toujours accepté par les parents. Le deuil est donc là nécessaire.

Cas de malformation à la naissance : Ce qui est important n’est pas qu’un enfant soit incomplet mentalement ou physiquement, mais la façon dont les parents vivent cette incomplétude. Ils pourront y voir une punition, renforçant ainsi la tare chez l’enfant, le confirmant dans son état d’infériorité. Il pourra aussi y avoir de la culpabilisation vis à vis des grands-parents, qui eux ont bien réussi leur travail. Le role maternal será alors plus difficile à acquérir.[19]

Esta extensa citação da Escola da Etnopsicologia francesa na que trabalhamos juntos com Georges Devereux, na Maison de Sciences de l´homme, comenta-se por si só, apesar de tanto o autor me ter obrigado a entregar estes elementos para saber e lembrar o argumento da procriação e criação de pequenos e dar assim bases analíticas aos leitores. É preciso lembrar apenas três pontos: o primeiro, é que esta é uma, citação do texto da Associação Géza Róheim[20], que define a fundação da Etnopsicologia – atribuída também ao Húngaro Róheim, mas que a História entrega e atribui ao alemão Emil Kraepelin (5 de Fevereiro de18567 de Outubro de 1926), por causa dos seus estudos de método comparado entre europeus de diversos grupos sociais, e os nativos de Java com os artefactos da sua cultura reunidos no Museu que orientava em Hamburgo, e cujas viagens à Índia tiveram por objectivo comparar os conceitos fundados sobre Esquizofrenia e Mania Depressiva, com doenças dos nativos de Java no asilo[21] gerido pelos holandeses. Os seus primeiros textos contextualizam culturas e delimitam a influência que as formas de comportamento normativo social exercem sobre as, nesse tempo, denominadas demências: a forma cultural ensina que não há alcoolismo, mas sim epilepsia, causada pela traição da mulher amada, ou ver o sangue à morte de uma pessoa querida, ou, ainda, ver derramar sangue dos seus consanguíneos ou o facto de entidades míticas denominadas l’amok e le latah, entidades culturais legendárias a agir entre o povo, facto perante o qual se reage, como descreve Gilmore Ellis no The Journal of Mental Science

Doenças que são comportamentos, estudados e descritas por Kraepelin e que Gilmore Ellis analisa na referida revista: “A ideia que insanidade é rara entre os povos primitivos e que ela tende a aumentar em proporção ao processo civilizatório surgiu pela primeira vez no século XIX. Psiquiatras importantes daquela época defenderam a ideia que existiria uma íntima relação entre civilização e doença mental. A ideia do “bom selvagem”, proposta pelo filósofo e reformador francês Russeau, ainda era forte. Começaram a descobrir doenças mentais que eram restritas a povos primitivos, tais como o amok e o latah, entre os nativos de Java; koro, entre os chineses em Java; o myriath, na Sibéria, pilokto entre os esquimós, etc. Assim, nasceu uma nova abordagem, a assim chamada “psiquiatria cultural do exótico”, a qual evoluiu até o presente conceito de síndrome delimitada pela cultura ( ”culture-delimited syndrome”) Pela primeira vez, o pensamento psiquiátrico buscava fora do seu berço de nascimento uma prova para o valor universal de suas categorias de doença mental. O grande psiquiatra Emil Kraepelin foi um dos primeiros a fazer extensas viagens ao Oriente e examinar pacientes psicóticos entre povos primitivos, tais como na ilha de Java.[22]O conceito de síndrome culturalmente limitado é central para o entendimento de não termos doentes mentais, mas sim uma relação entre pessoas, etnocentrismo e a sua cultura, com o perigo do afastamento das definições comandadas pela prática e a tradição."(…)

Raul Iturra

Julho 2011

Aventar

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