"A proletarização da profissão docente e a desvalorização da
pedagogia são duas faces da mesma moeda, que se traduzem no
enfraquecimento da profissão e no esvaziamento da sua função pública.
As
questões suscitadas pela prova de avaliação de conhecimentos e
capacidades (PACC), implementada pelo Ministério da Educação em
Portugal, e as reações que despoletou por parte dos professores têm sido
analisadas principalmente em termos das questões mais específicas e
contextuais da natureza da prova e do momento em que ela surge. Nestas
análises têm sido destacados aspectos como o facto de a prova não
avaliar nem conhecimentos, nem competências exigidas para a função de
professor, nem o núcleo daquilo que constitui a ação do professor — a
prática em sala de aula. Também o facto de ser aplicada a professores
que, provavelmente, na sua maioria, não entrarão no sistema de ensino e
muito menos terão acesso à carreira nos tempos mais próximos, num
contexto de cortes e mudanças dramáticas que estão a ser levadas a cabo
no sistema de ensino público em Portugal, tem sido frequentemente
referido para criticar a prova.
É inegável a humilhação e violência que ela representa, não só para
os professores avaliados como para os que a vigiam e avaliam, patente
nas diversas reações e testemunhos manifestados no dia ‘trágico’ da sua
realização. A ideia de avaliação como mecanismo de controlo, punição e
exclusão tem sido característica das políticas recentes do Ministério da
Educação. No entanto, a gravidade da situação e as suas implicações
para uma classe profissional que tem vindo a ser ‘fustigada’ pelas
políticas de educação levadas a cabo pelo governo requer uma análise
mais ampla e aprofundada de algumas questões ideológicas, conceptuais,
sociais e políticas que lhe estão subjacentes. Estas, embora não se
esgotem nem se expliquem apenas no quadro da política deste Ministério,
constituem aspetos centrais da configuração da profissão docente e do
entendimento da pedagogia nas sociedades contemporâneas, principalmente
nos países ocidentais, que tornam os professores alvos fáceis de
políticas de cariz neoliberal.
Um
dos factores centrais do enfraquecimento da profissão docente tem sido a
sua proletarização. Sob a bandeira da profissionalização e da definição
do estatuto profissional docente, um conjunto de políticas tem
contribuído para a ‘funcionarização’ dos professores através de
mecanismos e discursos que tendem definir um controlo burocrático e
técnico sobre a profissão, esvaziando-a da sua dimensão pedagógica e
ética. Estas condições têm sido acentuadas pela redução de rendimentos,
pela degradação do estatuto e pela perda de autonomia. A ação das
organizações profissionais, nomeadamente dos sindicatos, cuja
importância histórica e a força política em Portugal é inegável, tem
provocado tensões e está a sofrer transformações que devem ser tidas em
conta relativamente à sua capacidade e ao seu papel na luta pela
autonomia, estatuto e condições de exercício da profissão. A questão da
institucionalização das organizações sindicais, a sua relação com outras
associações profissionais e movimentos sociais emergentes é uma questão
central e um desafio crucial relativamente à natureza e relevância do
serviço público que prestam e à necessidade de novas formas de ação,
reflexividade e comunicação que acentuem a legitimidade dos interesses
públicos que defendem, como no caso da luta dos professores. Todos estes
aspectos têm levado à erosão da dimensão pública da profissão docente,
no quadro de uma perspectiva mercantilista e uniformizadora mais ampla,
que tem provocado uma erosão da esfera/vida pública e das preocupações
com o bem comum a uma escala global, tornando a profissão mais
vulnerável a tentativas de dominação e controlo."[...]
Continuar a ler...
Sem comentários:
Enviar um comentário