sexta-feira, 25 de julho de 2014

Fracasso da União Europeia na Palestina






«Fracasso da União Europeia na Palestina

(Arquivo: Novembro 2013)

Depois do previsível fracasso das chamadas negociações «de paz», que há muito se assemelham a um teatro de sombras, Israel, que nunca parou a colonização, está actualmente a bombardear Gaza, uma das zonas mais densamente povoadas do planeta. Tal como em 2009. Benjamin Netanyahu bem pode actuar fora de toda a legalidade internacional. Ainda a 9 de Julho recebeu o apoio do governo francês, o que vem rematar o fracasso da União Europeia na Palestina.»

«Protestos contra a ocupação sem convicção

 Fracasso da União Europeia na Palestina

Para lá dos discursos de conveniência, prossegue a cooperação com Israel como se a ocupação não existisse. É certo que a União Europeia decidiu finalmente adoptar medidas de retaliação contra a colonização, mas fá-lo de forma tão tímida que a torna incapaz de impor uma paz duradoura na região.»

Vinte anos depois dos Acordos de Oslo, a União Europeia acaba de ultrapassar uma primeira etapa para tornar credível a sua posição oficial a favor de um Estado palestiniano «independente, democrático, contínuo e viável». Com efeito, uma directiva publicada em Julho de 2013 torna inelegível para os financiamentos europeus, a partir de 1 de Janeiro de 2014, toda e qualquer entidade israelita – empresa, universidade, laboratório de investigação, associação – situada para lá das fronteiras de 1967 e que exerça actividade num colonato da Cisjordânia ou em Jerusalém Oriental.

Isto deverá pôr fim ao apoio a empresas como a Ahava, que explora lamas e sais minerais do mar Morto, mar ao qual os industriais palestinianos continuam a ser impedidos de ter acesso; ou ainda a outras como a Israeli Antiquities Authority, através da qual as autoridades israelitas exercem um quasi-monopólio da regulamentação, conservação e apresentação da actividade arqueológica na Palestina.

Uma decisão como esta era ainda mais esperada porque a União nunca conseguiu, ou nunca quis, aplicar as declarações e resoluções acumuladas desde Dezembro de 2009 que instavam o governo israelita a «acabar imediatamente com todas as actividades de implantação, em Jerusalém Oriental e no resto da Cisjordânia, incluindo a extensão natural dos colonatos, e a desmantelar todos os colonatos de povoamento selvagens instalados desde Março de 210» [1]. Até hoje, apesar das constatadas violações das resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) e das Convenções de Genebra, apesar do parecer consultivo do Tribunal Internacional de Justiça sobre o Muro de SeparaçãoEm 2004, o Tribunal Internacional de Justiça lavrou uma sentença declarando o traçado deste Muro ilegal aos olhos do direito internacional. [2], não foi accionada qualquer sanção.

No entanto é urgente fazê-lo, porque a política do facto consumado continua a destruir lentamente, dia após dia, os territórios palestinianos, hipotecando a solução assente em dois Estados. A Cisjordânia já não é mais do que um arquipélago de pequenas ilhas urbanas, devido ao Muro de Separação (cujo traçado anexa, de facto, perto de 10% do território palestiniano) e à manutenção de 60% da sua superfície sob o controlo total de Israel – a famosa «zona C» [3]. Nesta estão já instalados 350 mil colonos, em 135 colonatos, para 180 mil palestinianos residentes. Além disso, o Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação dos Assuntos Humanitários (Office for the Coordination of Humanitarian Affairs, OCHA) tem mostrado preocupação com o aumento da violência perpetrada pelos colonos, com o bloqueio das licenças de construção palestinianas pela administração civil israelita encarregada dos territórios e, por fim com as demolições sistemáticas de edifícios erigidos «sem autorização».

Pressões israelitas e americanas

Estas demolições não poupam os projectos financiados pela União Europeia, que por vezes pagam a reconstrução de infra-estruturas destruídas pelo exército israelita. É o caso, por exemplo, do porto e do aeroporto de Gaza, mas também dos edifícios administrativos e de segurança da Autoridade Palestiniana – em particular em Naplus e em Jenine, onde a União gastou 30 milhões de euros na reconstrução de duas muqatas, que deve ficar terminada no início de 2014 –, ou ainda das instalações de base em meio rural. Mesmo os equipamentos móveis para uso humanitário (tendas, abrigos, latrinas…) vêem-se regularmente pilhados pelo exército ou pelo colonos, sem que alguma vez tenha sido apresentado qualquer pedido de indemnização. Só o Gabinete Humanitário da Comissão Europeia (European Commission Humanitarian Aid Office, ECHO) pediu, por escrito, em 2013, compensações financeiras. O pedido foi indeferido, de forma bastante seca, com o pretexto de que as estruturas não haviam sido construídas em coordenação com as autoridades israelitas.

Os incidentes, que implicam inclusivamente diplomatas europeus, são frequentes, mas a maior parte das vezes são abafados por embaixadas desejosas de não levantar ondas. O apoio ao reforço institucional da Autoridade Palestiniana – leitmotiv dos investidores que apostam no desenvolvimento económico, na falta de uma solução política – foi mantido sem pestanejar. Mas, com o passar do tempo, ele foi transformado numa transfusão que permite manter à tona a Autoridade, cujos funcionários são, em parte, pagos pela União, à razão de 150 milhões de euros por ano.

Os recursos hídricos sempre foram uma questão da maior importância. Ora, a sua partilha manteve-se muito desfavorável aos palestinianos, tributários de um Joint Water Council que devia favorecer a co-decisão entre as duas partes mas que é utilizado pela parte israelita para bloquear a maioria dos projectos palestinianos relativos ao aquífero. Os palestinianos só têm acesso a 20% dos recursos da Cisjordânia, ficando os israelitas com 80% [4]; consomem, em média, quatro vezes menos água por dia e por pessoa. A «comunidade internacional», União Europeia incluída, não parece incomodada por financiar projectos de tratamento das águas cujo investimento e custos operacionais são mais dispendiosos devido às restrições impostas pelo ocupante.

Em Jerusalém, as autoridades israelitas expropriaram mais de um terço da parte oriental da cidade, imediatamente declarada «território do Estado». Em 2013, contam-se 250 mil colonos estabelecidos nos bairros palestinianos, seja na cidade velha e nas bacias históricas, seja nos vastos aglomerados urbanos dispostos em círculos à volta da cidade. Mesmo a cultura, a história e o património são áreas estreitamente controladas pelas autoridades israelitas: retenção das licenças para exercer o ofício de guia turístico, recuperação das obras e dos manuscritos, controlo das escavações arqueológicas… Segundo o mais recente relatório dos chefes de missão diplomática europeus colocados em Jerusalém, isto parece resultar «de um esforço concertado que visa usar a arqueologia para reforçar as pretensões a uma continuidade histórica judaica em Jerusalém, e assim criar uma justificação para o seu estabelecimento enquanto capital eterna e indivisível de Israel» [5].

Apesar das conclusões inequívocas deste relatório, transmitidas a todas as capitais europeias, a União teve muitas dificuldades em impor qualquer medida às autoridades israelitas, a começar pela reabertura das instituições oficiais em Jerusalém Oriental, desde logo a Casa do Oriente – sede da Organização de Libertação da Palestina (OLP) em Jerusalém até 2010 – e a Câmara do Comércio Palestiniana.

Em 2010, Israel fechou todos os pontos de passagem para a Faixa de Gaza, com excepção dos de Erez (de acesso restrito) e de Kerem Shalom, única entrada autorizada para as importações de certas mercadorias, para grande proveito do Hamas. As exportações continuam, com apenas algumas excepções, a estar proibidas. Ao longo de toda a Faixa de Gaza, que é já um dos locais mais densamente povoados do mundo, com perto de 2 milhões de pessoas em quatrocentos quilómetros quadrados (4500 habitantes por quilometro quadrado), as autoridades israelitas impuseram, além disso, uma zona-tampão (buffer zone) de cem a quinhentos metros de largura no interior do Muro de Segurança, impedindo doravante o acesso da população a 17% do território, ou seja, a perto de um terço da sua superfície cultivável. Este tipo de restrição existe também para a fachada marítima, uma vez que o limite de pesca – inicialmente estabelecido em 20 milhas náuticas pelos Acordos de Oslo – está hoje fixado entre 3 e 6 milhas náuticas, de acordo com diferentes períodos [6]. A resposta da União traduziu-se em 15 milhões de euros suplementares para ampliar as infra-estruturas fronteiriças no posto de passagem de Kerem Shalom, isto é, num investimento na infra-estrutura de segurança israelita, em vez de conseguir um levantamento do bloqueio que, no entanto, oficialmente reclama.

Além disso, a sorte dos refugiados palestinianos deteriorou-se ainda mais. Expulsos das suas aldeias aquando das guerras de 1948 e 1967, são cerca de cinco milhões os registados pelas Nações Unidas. Um terço deles vive ainda nos campos «provisórios» em Gaza, na Cisjordânia, na Jordânia, no Líbano e na Síria; 3,5 milhões dependem da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees, UNRWA) para os serviços essenciais em matéria de saúde ou de educação. Esta situação, que custa à União Europeia cerca de 300 milhões de euros por ano sob a forma de apoio financeiro à UNRWA, é ainda mais agravada pelo afluxo actual de refugiados sírios e pela instabilidade dos países da região.

O statu quo no Médio Oriente, que de statu quo só tem o nome, ilustra a incapacidade da União Europeia para impor as condições de uma paz duradoura na região. No entanto, ela dispõe de todos os meios para o fazer [7].

Em primeiro lugar, a União podia assumir este importante passo que foi dado com a publicação da sua directiva, em vez de tentar atenuar o seu alcance, e recusar ceder às pressões exercidas, desde então, pelas autoridades israelitas – que proibiram aos seus representantes o acesso a Gaza – e americanas. Além disso, com um volume de trocas de perto de 30 mil milhões de euros por ano, a Europa representa o principal parceiro comercial de Israel, e um quarto das suas exportações. A União poderia, assim, ameaçar Telavive com retaliações no quadro do Acordo de Associação assinado em 2000, congelar os acordos específicos em vigor ou em curso de negociação (Israel continua a ser o principal beneficiário dos Programas Mediterrânicos) e suspender todas as negociações com vista a reforçar o Acordo de Associação.

Mais ainda, a União Europeia podia deixar de importar produtos fabricados ou montados nos colonatos israelitas da Cisjordânia. Em 2012, um colectivo de vinte e duas organizações não governamentais (ONG) calculou que estas importações ascendem a 230 milhões de euros, ou seja, quinze vezes mais do que as importações europeias de produtos palestinianos [8]. Não dependendo de financiamentos europeus directos, estas exportações não são, com efeito, abrangidas pela recente directiva. E, não tendo uma etiquetagem precisa, estes produtos «made in Israel», de facto originários dos colonatos, beneficiam de uma isenção de taxa… Está aliás em curso, em treze Estados, uma iniciativa relativa à etiquetagem, por preocupação de transparência em relação ao consumidor europeu. Mas alguns desses Estados, como a Irlanda, lamentam que esta iniciativa não chegue ao ponto de proibir pura e simples estes produtos no mercado europeu.

Por fim, a União podia actuar no comércio de armas com Israel, que continua a crescer apesar do código de conduta europeu que proíbe todo e qualquer comércio de equipamento militar com autoridades «que recorram à repressão interna, à agressão internacional ou contribuam para a instabilidade regional». Esta importação de equipamentos, o investimento na investigação (em parte graças a subvenções europeias) e as recentes e mortíferas operações militares em Gaza – verdadeiro laboratório para as tecnologias de ponta em matéria de armamento – permitiram aumentar as vendas de armas israelitas em todo o mundo. Com efeito, em 2012 essas vendas atingiram o nível recorde de 5,3 mil milhões de euros, arrebatando a França o quarto lugar do palmarés dos exportadores de armas.

Há um ano, a União Europeia recebeu o Prémio Nobel da Paz. Não será já altura de se lembrar disso?»

* Jornalista.

[1] Conclusões do Conselho dos Negócios Estrangeiros da União Europeia, 8 de Dezembro de 2009.
[2] Ler William Jackson, «Destruir este muro ilegal da Cisjordânia», Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Novembro de 2004.
[3] Ver «The Prohibited Zone», Bimkom, Jerusalém, 2009, http://bimkom.org.il.
[4] Ver o relatório da Assembleia Nacional francesa sobre a geopolítica da água, que denuncia o «novo apartheid» praticado por Israel neste domínio (Dezembro de 2011), www.assemblee-nationale.fr.
[5] Relatório dos chefes de missão da União Europeia em Jerusalém Oriental, Fevereiro de 2013.
[6] Ler Joan Deas, «O mar encolhe em Gaza», Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Agosto de 2012.
[7] Cf. «Failing to Make the Grade. How the EU Can Pass its Own Test and Work to Improve the Lives of Palestinians in Area C», Association of International Development Agencies (AIDA), 10 de Maio de 2013, www.oxfam.org.
[8] «Trading Away Peace: How Europe Helps to Sustain Illegal Israeli Settlements», Fédération internationale des ligues des droits de l'homme, Paris, Outubro de 2012.

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