domingo, 17 de maio de 2009

Ser Sociólogo

António Campos


"Ser sociólogo, o que não é apenas tarefa daqueles que disso fizeram a sua profissão- eu 'diria mais comodamente, ser actor social é lutar ao mesmo tempo contra as aparências com que se disfarça o poder e submeter-se à exigência fundamental do conhecimento sociológico: reconhecer que o sentido da acção nunca é dado pela consciência do actor. O que interdita toda a identificação. A crítica do poder não é conduzida por um contrapoder; o conhecimento não prepara a ordem de amanha.
Quererá isto dizer que o sociólogo observa a caravana sentado”beira da estrada” sem partilhar as esperanças e sofrimentos dos que agem e sofrem? Imagem bem pobre e decepcionante, porque não há beira da estrada e a própria imagem da caravana, longe de ser neutra, reduz a sociedade a uma mera empresa."


Alain Touraine, Pour la Sociologie

O primeiro aspecto tem a ver com o grau de neutralidade da escola que se diz para todos os portugueses ou se é veículo de transmissão ideológica para alguns grupos sociais. Na verdade, apesar dum propósito claramente democratizador do processo ensino-aprendizagem (depois de 25 de Abril de 1974), alargando-o a um número significativo de jovens e adultos carentes, ao optar-se por um modelo de sociedade onde imperam novas elites detentoras de riqueza e de poder, várias medidas, foram sendo adoptadas, ao nível do sistema de ensino, que contribuíram para a manutenção na sociedade, de status bem diferenciados.

Saliente-se, a propósito, programas desajustados e extensos, dificuldades na formação de professores, problemas na gestão democrática, acentuadas assimetrias em condições materiais no litoral e no interior e, ao nível da aula, o interesse e a dificuldade diverge as diferentes culturas e níveis sociais. E o que se constata é que a escola tem oferecido legitimação em vez de qualificação para o desempenho de muitos lugares.

Legitimação essa, conferida em muitos casos, às classes mais favorecidas. Quanto aos professores o que parece ser de admitir é que se foi retirando o prestígio, diminuindo o seu poder, que poderia ter como efeito a elevação do nível cultural e da consciência da população. Como entendemos então a reforma que vai surgir brevemente, reforma essa que condições externas nos impõem? Como serão os professores formados com as normas impostas por uma política deste tipo? De facto, nada de autêntico se alterou ao nível da educação, o que nos leva a concluir que a escola tem sido usada como um instrumento ideológico.

E qual a posição do sistema de ensino perante o problema da mulher? Antes de 1974, e durante várias décadas, a escola veiculou e contribuiu para acentuar a discriminação sexual existente na sociedade portuguesa. A mulher foi explicitamente reduzida a uma posição subalterna, foram-lhe dificultados acessos e vedados lugares. As características da mentalidade de então pareciam indicar a pouca consideração que era tida a mulher, pelo que unicamente seria tolerada como professora.
Nos últimos anos várias têm sido as alterações tendentes a modificar essa desigualdade social, obviamente, não só ao nível do sistema de ensino.

No entanto, neste campo, aumentaram o número de professores de ambos os sexos ( mais significativo por parte dos homens). A isso terão concorrido directamente, o aumento acentuado do número de alunos e de escolas mas, indirectamente, a falta de colocação de muitos licenciados (homens) em empresas, públicas e privadas, que reflectiram claramente sinais de mudança (leia-se instabilidade) e não os podiam receber. Muitos licenciados com e sem formação pedagógica vinham para o ensino (com todas as consequências de degradação e desqualificação advenientes). Actualmente, as condições alteraram-se de tal modo que muitas empresas já estão de novo a abrir as suas portas e muitos professores (diria emprestados) estão a deixar o ensino público (do Estado), ingressando noutras actividades melhor remuneradas no sector privado.

Constata-se assim, que o sistema de ensino não tem acompanhado a evolução que se tem verificado noutros domínios da sociedade portuguesa. E porquê? De facto os homens (professores) parecem ser perigosos para o sistema porque exigem melhores remunerações pois sempre foi esse o seu estatuto. As mulheres (professoras) muitas têm os maridos noutras áreas mais bem pagas e daí o seu provável e contraditório conservadorismo.

Não há dúvida que a mulher continua a ser o "dócil" instrumento conservador que o sistema necessitava e continua a precisar. Um exemplo noutro campo mas a este interligado, ilustra bem esta tendência presente. Na altura era divulgado nos órgãos de comunicação social que o Banco Comercial Português num quadro enorme de empregados, tinha somente seis mulheres e no sector administrativo, facto que era objecto de crítica por várias organizações associativas de mulheres.

Perante estas tendências que mostram também o conservadorismo do sistema, não só em termos pedagógicos mas em termos institucionais, onde a vontade de inovar não é grande mas também porque obstáculos se interpõem à sua implementação. Com que espírito podemos encarar a próxima "reforma" onde as Ciências Sociais foram grandemente penalizadas (leia-se afastadas)? Qual a finalidade e que objectivos se pretendem atingir onde a consciencialização social pretende estar arredada? E o Estatuto dos Professores como poderá ser encarado quando se pressente que a componente avaliação do desempenho poderá ser mais importante que a própria formação dos professores?

Actualmente ainda é mais gravosa a situação no ensino pois, tendo em conta propósitos meramente economicistas, tem vindo a degradar-se o papel dos professores com políticas que os afrontam directamente, tem vindo a deteorar-se as condições de aprendizagem dos alunos, enfim, tem-se procurado atacar a escola pública com vista à sua substituição pela privada. Mas não se fará sem luta por parte dos professores.

Ser sociólogo é entender as mudanças, perceber as suas causas e apontar soluções.

Ser sociólogo e professor é lutar por uma escola melhor e ao serviço de todos.

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