sexta-feira, 23 de julho de 2010

Mitos sobre as pensões em Espanha

Dr Ros Altmann, pensions campaigner, with pens...Image via Wikipedia


António Campos




Este artigo critica várias posturas amplamente promovidas em centros políticos, empresariais e mediáticos segundo as quais Espanha gasta demasiado nos idosos e muito pouco nas crianças, e isso como consequência da “excessiva” influência política do lóbi das pessoas de idade. O artigo apresenta dados que mostram o erro dessas posturas, documentando que o Estado (central, autonómico e local) gasta muito pouco em idosos e em crianças, e isso como resultado do enorme poder das classes e grupos dominantes que não contribuem para o Estado nos níveis dos seus homólogos na UE-15.

Na sequência do congelamento das pensões públicas por parte do Governo de Zapatero, houve um reavivamento de argumentos sobre as pensões por parte de vozes neoliberais que, como consequência das grandes caixas de ressonância de que gozam nos maiores meios de informação e persuasão do país, estão a fazer sucesso nos establishments políticos e mediáticos. Um destes argumentos é que o suposto poder eleitoral dos idosos (o grupo populacional que mais participa nos processos eleitorais) determinou um grande aumento da despesa pública dedicada aos idosos (incluindo a despesa em pensões e serviços públicos, como serviços de cuidados às pessoas com dependências), à custa da despesa pública dedicada a outros grupos de idade, como as crianças. Neste argumento, a luta de classes foi substituída pela luta entre grupos geracionais, na qual os idosos estariam a conseguir grandes benefícios sociais à custa dos direitos das crianças, entre outros. Como prova disso, tais autores referem-se à diminuição da pobreza que, supostamente, ocorreu entre os idosos durante estes últimos anos, o que contrasta com o crescimento da pobreza entre as crianças.

Os dados, no entanto, não sustentam tais teses neoliberais. Segundo a última informação publicada pelo Eurostat, a Agência de Estatística da União Europeia, a maior percentagem de pobres na população espanhola continua a ser (28%) maior entre os idosos que entre crianças (24%). A Espanha, por certo, é o país da UE-15 (o grupo de países de desenvolvimento económico semelhante ao nosso) que tem maior pobreza entre os idosos (a média na UE-15 é de 15%), e também entre as crianças. Não é, pois, que Espanha gaste muito em idosos e pouco em crianças. Na realidade, gasta muito pouco (menos que em toda a UE-15) em idosos, em crianças e em todos os grupos etários. E isso deve-se ao enorme poder do capital e das classes abastadas (30% da população – burguesia, pequena burguesia e classes profissionais de renda média-alta), que não estão a contribuir para o Estado nas mesmas percentagens que o fazem os seus homólogos na UE-15. As rendas do capital e as rendas superiores estão entre as menos agravadas na UE-15, motivo para que os ingressos no estado estejam entre os mais baixos da UE-15.

É a excessiva influência política e mediática de tais grupos sociais que explica que idosos e crianças (e todos os demais) tenham menos transferências e serviços públicos que os seus homólogos na UE-15. O Governo de Zapatero, que fez sua aquela palavra de ordem neoliberal de que “baixar impostos é de esquerda”, cortou gastos sociais (pensões e serviços domiciliários), que são a todos os títulos insuficientes, em lugar de subir impostos às classes abastadas. Na realidade, a poupança que se tenta conseguir congelando as pensões é inclusive menor que a quantidade de fundos que o Estado deixou de ingressar como consequência da diminuição do imposto sobre o património que favoreceu as rendas superiores.

Outro mito neoliberal reproduzido nos meios de comunicação é que a pobreza entre os idosos foi diminuindo como resultado do aumento das pensões e de outras transferências e serviços aos idosos, consequência de um consenso supostamente existente entre os partidos parlamentares de não permitir que a capacidade aquisitiva dos idosos diminua. De novo, os dados mostram o erro de tais pressupostos. A redução da despesa pública social que ocorreu em Espanha (em relação à média da UE-15) durante o período 1993-2004 a fim de reduzir o déficit do orçamento do Estado (condição necessária para que Espanha ingressasse na zona euro [1], afectou o total da despesa pública social dedicada aos idosos e a sua taxa de pobreza. Segundo o Eurostat, o nível de pobreza entre idosas em Espanha passou de 15% em 1995 para 32% em 2004, e entre idosos passou de 16% para 27% durante o mesmo período. Posto que foi o PP o partido que governou Espanha durante a maioria deste período, carece de credibilidade agora, quando se apresenta como o grande defensor dos idosos e idosas. O seu historial não avaliza tal proclamação. Essa pobreza desceu ligeiramente no período de Zapatero, passando de 32% em 2004 para 30% em 2008 (último ano em que o Eurostat publica tais dados) entre as idosas, e de 27% para 25% entre os idosos. Os recentes cortes de fundos públicos sociais reverterão estes números, aumentando a pobreza entre os pensionistas (e isso mesmo quando se conservem os aumentos das pensões mais baixas).

Todos estes dados mostram que a entrada então e a permanência agora de Espanha na zona euro fez-se e continua a fazer-se à custa de um grande atraso na correcção do déficit de despesa pública por habitante em todos os grupos etários, incluindo idosos, entre Espanha e a UE-15. O déficit de tal despesa em idosos por habitante subiu de 569 para 816 euros de 1995 a 2004. Na realidade, o facto de as pensões serem corrigidas segundo a inflação, e não segundo o crescimento médio dos salários (como se faz em muitos países da UE-15), explica que o nível de vida dos idosos tenha diminuído em comparação não só com o resto da sociedade, mas com o resto da UE-15. Mais, o Estado (tanto central como autonómico e local) espanhol é o menos redistributivo por classe social da UE-15, com o que o seu impacto redutor da pobreza entre os idosos é muito limitado, passando de 31% de todos os idosos (antes de incidirem as instituições públicas – impostos e transferências) para 28%, comparado com a Suécia (o país que historicamente teve uma esquerda mais forte na Europa), que passa de 26% para 11%. Não se trata, pois, de uma luta geracional, mas de uma luta de classes ganha diariamente pelos rendimentos superiores que explica esta situação.


[1] Ver o meu artigo España social a la cola de la UE, Público, 27/05/2010.
Vicenç Navarro





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