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António Campos
John Pilger é um afamado escritor, jornalista e documentarista, que começou
a sua carreira em 1958 na sua Austrália natal antes de se mudar para Londres em
1960. Pilger diz que “é demasiado fácil para os jornalistas ocidentais ver a
humanidade em termos da sua utilidade para os “nossos” interesses e aceitar as
agendas governamentais que classificam os tiranos de bons e maus, as vítimas
como dignas ou indignas e apresentam sempre “as nossas” políticas como
benignas, embora o verdadeiro seja o oposto. O trabalho do jornalista consiste
em primeiro lugar, olhar o espelho da sua própria sociedade.”
“A guerra que você não vê” é a segunda grande metragem documental para
cinema de Pilger numa carreira que já produziu mais de 56 documentários para a
televisão.
PN: Seu novo filme “A guerra que você não vê” centra-se no papel dos meios de
comunicação na guerra. Gostaria de começar perguntando por que sentiu a
necessidade de fazer este filme.
JP: A televisão é a fonte primária de informação para a maioria das
pessoas. Na Grã-Bretanha, muito do jornalismo da televisão é dedicado a criar
uma espécie de mitologia de “objectividade”, “justiça” e “equilíbrio”. A BBC
tem elevado esses princípios a um tipo de causa nobre e altruísta,
permitindo-lhe transmitir as visões preferidas pelo “establishment” vestidas
com roupagens de notícias. Isso permite-nos entender por que razão a propaganda
em sociedades livres, como a Inglaterra e os Estados Unidos é muito mais eficaz
do que em ditaduras. Apesar de os jornalistas “profissionais”, especialmente da
rádio e da televisão, se apresentarem falsamente como uma espécie neutra, nunca
a verdade terá alguma hipótese de se impor. Isto é mais claramente demonstrada
quando o poder imperial - ou seja, os Estados Unidos com a Grã-Bretanha a
reboque - invade países que quer controlar, independentemente do direito
internacional. Esta ilegalidade é raramente um tema de referência usado na
cobertura e na selecção de notícias. Eu não entendia muito bem isso no início
da minha carreira. Talvez tenha sido a minha experiência no Vietname no início
dos anos 60 que me ajudou a entendê-lo. “A guerra que você não vê» é um produto
disso, e de me divertir a desmontar, por rotina, quase todas as notícias que
leio, ouço e vejo.
PN: Numa entrevista com o académico venezuelano Edgardo Lander, ele argumentava
que os países que não têm meios de comunicação democráticos não podem ser
chamados democráticos. Por que é tão importante o funcionamento de um sistema
democrático de meios de comunicação para a democracia em geral?
JP: Eu concordo com Lander. Thomas Jefferson disse: “A informação livre é a
moeda de troca da democracia”. É muito simples. Se não há livre fluxo de
informações, não há democracia. Sem um público informado, a autoridade política
ou empresarial - qualquer autoridade - não pode ser obrigada a prestar contas e
se não presta contas, corrompe-se rapidamente.
PN: O site da organização britânica Media Lens, que analisa o
comportamento dos meios de comunicação, afirma que a natureza cada vez mais
centralizada dos meios de comunicação os leva a agir como um sistema de
propaganda, de facto, que serve a interesses empresariais e do “establishment”.
Este é um veredicto condenatório sobre o jornalismo convencional, mas é um
veredicto justo?
JP: Sim, é inteiramente justo. Consideremos novamente a questão da
guerra. Os Estados Unidos são um “estado guerreiro” com o sector mais estável e
poderoso da sua economia dedicado ao fabrico de armamento. Essas armas, aviões
e munições, vende-as a centenas de países. Vai a qualquer feira de armas, e
dir-te-ão que esses armamentos têm que ser “testados no mercado”, nas guerras.
As bombas de fragmentação caindo sobre pessoas no Iraque e no Afeganistão foram
testados no Vietname, o napalm que foi refinado para queimar sob a pele foi
testado na Coreia. Cada nova guerra é um laboratório. Grande parte das empresas
de comunicação e de armamento complementam-se mutuamente. No caso da NBC, isto
é explícito. A NBC é uma das maiores organizações de notícias no mundo e sua
sociedade mãe, a General Electric, é um dos maiores fabricantes de armas no
mundo. A mensagem contida na notícia da BBC não é muito diferente. Um estudo
realizado pela Universidade do País de Gales, Cardiff, sobre o papel da BBC no
período que antecedeu a invasão do Iraque, revelou que a cobertura da empresa
foi muito favorável ao governo - um governo que na época estava envolvido em
graves distorções da verdade, como sabemos agora, e que eles como jornalistas
deveriam ter sabido naquele momento. Claro, existem algumas honrosas excepções
- mas há que pensar quais são os interesses do “establishment”, e então
considerar como estes se propagam directa ou indirectamente, através dos meios
de comunicação, e quando digo indirectamente também quero incluir a censura por
omissão. Isso provavelmente explica por quê tantas pessoas nos meios de
comunicação mal podiam conter sua irritação com o vazamento do Wikileaks: como
se atreve este indivíduo, que não pertence a nenhum dos nossos “clubes”, a
interpor-se quanto ao direito dos meios a serem utilizados, lisonjeados e a
mentir?. Em ‘A guerra que não se vê “, um antigo funcionário do Ministério dos
Negócios Estrangeiros descreve com detalhe como é fácil manipular os jornalistas
do “lobby”. (continua)
Pablo Navarrete
Dez.2010
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