quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Por onde anda o dinheiro dos predadores da globalização financeira?

Loretta Napoleoni
Image by Internaz via Flickr




António Campos


 “O Fim de um Mundo, a Falência do Capitalismo?” é o título estimulante do ensaio de uma conceituada consultora da CNN e da BBC e publicista na mais prestigiada imprensa mundial (por Loretta Napoleoni, Editorial Presença, 2010). A autora debruça-se sobre as finanças globais, equacionando o terrorismo e a economia. A globalização financeira, espoletada com a era de Reagan, gerou anos de abundância à sombra do crédito fácil e barato. Mesmo quando começou a cruzada contra o terrorismo, depois dos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, a popularidade dos líderes da cruzada era muito grande, isto apesar de algumas ameaças latentes como a falência russa, a crise da Tailândia e outras parecidas. E um dia, em Setembro de 2008, deu-se a explosão da bolha, começou a recessão e o público descobriu que não só estava penhorado como o contribuinte da aldeia global ia pagar todos os erros e desmandos dos especuladores sem escrúpulos, conhecer na carne o desemprego e o espectro da falência ou ruína. A pesquisadora começa por uma chamada de atenção sobre o sucesso retumbante do Dubai, um emirato que é um paraíso fiscal e que teve um papel muito importante na transferência de dinheiros para as células da Al-Qaeda, nos EUA. A seguir ao atentado das Torres Gémeas, o Dubai tornou-se num grande centro financeiro, um género de Monte Carlo da Ásia. Os factores chave deste sucesso devem-se à ascensão das finanças islâmicas, à subida do preço do petróleo, à explosão da construção civil na região e à potenciação dos paraísos fiscais no Oriente. Para isso, é também necessário entender esse fenómeno único da economia moderna que é o casamento entre o poder financeiro e o religioso. O relevante é que houve um crescimento espectacular das finanças islâmicas após o 11 de Setembro, à custa do enfraquecimento do Ocidente. O 11 de Setembro, por paradoxal que pareça, permitiu uma excelente oportunidade para o revigoramento do sistema financeiro islâmico, que já funcionava nos paraísos fiscais das Bahamas. Depois de 2001, descobriu-se que alguns dos principais financiadores da Al-Qaeda operavam nestes paraísos fiscais.

A cruzada contra o terror desencadeada por Bush vinha na sequência de uma estratégia montada pelos principais cérebros neoconservadores norte-americanos. Eles propunham o reforço da hegemonia dos EUA no mundo, o controlo absoluto do Iraque, a manutenção de bases militares na Arábia Saudita, etc. Os estrategas descuraram questões tão elementares como o que move, de facto, Bin Laden e sobretudo a pouca atracção que o seu radicalismo concita no mundo árabe. De repente, Bin Laden viu-se remetido para um papel de libertador totalmente imprevisto: a linguagem beligerante de Bush caiu como sopa no mel no projecto das finanças islâmicas que se sentiram motivadas para, no meio da confusão gerada por uma atmosfera de guerra santa, começarem a sangrar a economia mais poderosa do mundo. Bush procurou fazer acreditar que a guerra contra o terrorismo era um preço inevitável a pagar. O sistema financeiro islâmico já tinha recebido óptimas oportunidades com o fim da Guerra Fria, bem como a nova era da desregulamentação que veio alavancar a rota meteórica dos investimentos na aldeia global: desencorajar a luta contra os financiamentos do terrorismo sem fazer frente aos paraísos fiscais é como procurar uma agulha no palheiro. Acresce que a explosão de conflitos no Médio Oriente fez emergir problemas sem solução: roubo de petróleo importado, sequestros contrabando de arma, proliferação da droga (o Afeganistão assegura 92% do mercado mundial do ópio),por exemplo.

Esta mesma cruzada contra o terror suscitou legislação que produziu efeitos de ricochete. Se o dinheiro sujo mundial já transitava em alta percentagem nos paraísos fiscais das Caraíbas, a situação agravou-se. Quando o Congresso Americano aprovou o Patriot Act, em Outubro de 2001, deu-se uma impressionante fuga de dólares devido ao critério de controlo das finanças americanas: os EUA deixaram de ser o local de trânsito ideal para os capitais provenientes da lavagem do dinheiro sujo. O Patriot Act não só não atacou o financiamento do terrorismo como mudou as rotas da lavagem de dinheiro sujo, inclusive trouxe uma grande movimentação para o espaço europeu, a começar pelo Reino Unido. Escreve Loretta Napoleoni: “De acordo com a Europol, uma rede de advogados e contabilistas europeus em contacto com diversos agentes imobiliários está no centro da actividade de lavagem de dinheiro. Esta rede usa o mercado imobiliário europeu para lavar grandes quantidades de dinheiro sujo”. A autora nunca abandona o eixo da globalização financeira em sintonia com o terrorismo e a guerra que Bush lhe moveu. 
Aborda magistralmente os jogos de monopólio da aldeia global e identifica as manigâncias dos fora da lei da globalização e como eles nos levaram aos desastres subsequentes da bolha financeira. Acossados pelo pânico do desastre financeiro, as potências procuraram minimizar a crise do crédito tomando medidas proteccionistas, mas elas são manifestamente anacrónicas e agravam os problemas mundiais: é manobra ilusionista transferir o actual cancro dos produtos derivados e tóxicos do sector privado para o público, sobretudo à escala nacional ou regional. A autora propõe o regresso à economia real e sugere inequivocamente a nacionalização da banca, mais não seja temporariamente, para lidar com as reformas do sistema financeiro com políticas claras, regressando-se ao primado do Estado forte.

As teses de Loretta Napoleoni são ousadas mas também incompletas. Há mais mundo fora da lavagem do dinheiro sujo e das finanças islâmicas. Ao tempo em que se processava a desregulamentação e se criou a Organização Mundial do Comércio, depois da queda do comunismo, despontaram no horizonte as chamadas economias emergentes, desde a China até ao México e Brasil. A natureza dos investimentos e da especulação mudou de rosto e alterou os métodos da globalização financeira. As grandes potências de ontem e hoje abandonaram a indústria, estão centradas no sistema financeiro e na constelação dos serviços, apostando nas novas tecnologias e no primado do conhecimento. As grandes potências de hoje e amanhã geraram novos mercados (portanto novas necessidades e novos desejos) e a globalização está a obedecer às novas leis da oferta e da procura. A crise económica que o mundo atravessa, em síntese, é muito mais complexa que a relação directa entre a guerra contra o terrorismo e a bolha financeira. Não surpreende que a autora não tenha resposta completa para a dimensão do processo de crise em que estamos todos mergulhados. Dá um bom contributo parcial, e devemos estar-lhe agradecidos. Há que inserir um maior número de peças do puzzle e escutar as propostas políticas favoráveis a uma globalização positiva: não se pode recuar na globalização, pode-se orientá-la para o bem comum, para a cidadania, para a paz entre os povos e para a maior justiça nas relações internacionais e na equidade das trocas. Não há outra saída.

Beja Santos
Dez. 2010

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