quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

As interacções sociais, a vida quotidiana, os espaços públicos

Erving Goffman
Image via Wikipedia



António Campos


Erving Goffman é um nome cimeiro da sociologia do século XX, à escala mundial. As suas investigações foram da maior importância em termos da análise de representação do Eu, das interacções sociais, dos aspectos gestuais bem como das actividades que o indivíduo desempenha junto de instituições. Contestatário, pôs em causa psiquiatria e o tratamento das doenças mentais, denunciando a alienação e a violência dos tratamentos médicos. Foi certamente o sociólogo mais influente dos anos 60 e 70 na América do Norte, soube entrelaçar a sociologia com a antropologia cultural e daí a importância indirecta que os seus livros tiveram nos estudos do comportamento do consumidor: as variáveis ambientais, o poder dos grupos, os factores de situação, enfim, análises indispensáveis para entender a decisão de compra, o peso das mitologias de consumo, a transmutação dos valores, as reticências ou abertura do indivíduo às mudanças sociais.
“Comportamento em Lugares Públicos” é o título da sua obra mais marcante, depois de “A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias”, (Relógio d’Água, 1993), data dos anos 60, é um verdadeiro clássico, por isso mesmo se saúda a sua tradução para língua portuguesa (“Comportamento em Lugares Públicos”, por Erving Goffman, Editora Vozes, 2010). É desnecessário sublinhar a importância dos lugares públicos na vida do indivíduo e da comunidade, são o somatório das ruas, parques, restaurantes, bares, discotecas, cinemas, teatros, auditórios, estádios de futebol, lojas de diferentes tamanhos e feitios, é aqui que nos cruzamos em actividades de trabalho ou lazer. Goffman não disseca o comportamento colectivo mas sim as pautas, os tiques, os gestos que são próprios do trafego humano. Escolhe espaços públicos que tanto podem ser praças como a comunidade de ilhéus ou instituições de doentes mentais. Adoptamos comportamentos adequados a uma certa realidade e, no essencial, não os queremos transgredir: uma formatura militar é o que é, tal como uma participação num funeral, um pedido de informação para encontrar uma rua, adoptamos posturas, serviços de mensagens linguísticas de códigos que provocam interacção (a não ser nos casos em queremos exibir o conflito e damos sinais de transgressão).

Sabemos o que é uma distância física, se beijamos, abraçamos ou cumprimentamos com aperto de mão. Somos educados a participar correctamente nas ocasiões sociais, mostrando que estamos compungidos, alegres, sérios; gargalhamos, não disfarçamos o prazer quando encontramos pessoas que nos são estimáveis, não fazemos alarido nas bibliotecas, respeitamos as convenções, o cortejo dos casamentos, deixamos passar o carro dos bombeiros ou a ambulância. O nosso corpo actua, exprime, submete-se a tais convenções, com disciplina ou com espontaneidade. O corpo é um mapa com vários idiomas, todo ele comunica, seja pela nossa indumentária, seja pela linguagem corporal, pela tensão ou descontracção, o nosso corpo revela como nos situamos bem, sentimos constrangimento, nos sentimos ausentes ou a mais. Cuidamos da aparência ao espelho antes de entrarmos num lugar público, graduamos os nossos cumprimentos em ambiente masculino ou feminino. E quando hesitamos quanto às regras a adoptar nesse lugar, podemos até marcar uma distância silenciosa, observamos o comportamento dos outros e então adoptamos a nossa própria atitude.
Goffman privilegia os comportamentos de atenção e desatenção, o face-a-face, o comunicar com o olhar, mas também as situações sociais em que os intervenientes precisam de se socorrer de abertura, comportamentos evasivos ou até controlados. No fundo, o que o sociólogo pretende é centrar-se sobre a ordem pública que trata da conduta dos indivíduos em presença de outros, tanto pode ser a relação em círculo social com conversa, um indivíduo está condicionado por regras mais ou menos pré-estabelecidas e é neste envolvimento que damos sinais da nossa realidade e nos constituímos como factores de situação. Em concreto, este tipo de contributos de Goffman levam a que percepção do indivíduo na sua relação com as coisas e as decisões de compra? É graças à sociologia e à antropologia que se sabe hoje que o lugar do consumo é a vida quotidiana, é nela que o indivíduo organiza o trabalho, o lazer, a família, as relações sociais, é neste espaço que se pode decifrar o comportamento do consumidor entre o privado e o público, entre o estatuto e a norma social, entre a convenção e a mudança. Outros na Europa desenvolveram outras perspectivas sobre o quotidiano. Basta citar Jean Baudrillard, Henri Lefebvre ou Roland Barthes. Porque o quotidiano é a permanente impregnação pelo e para o consumo. Neste quotidiano a retórica publicitária insinua o acto de consumir; o quotidiano é o lugar do desejo mas também o lugar em que o desejo morre na satisfação.

O nosso modo de existência colectiva ordena-se em função de um certo número de grandes instituições, que tanto podem ser as do ensino como as culturais. A sociedade de consumo onde vivemos foi uma laboriosa transferência da sociedade rural para o viver em sociedade urbana, do ambiente industrial para o dos serviços. Esta sociedade consagra-se também pelos lugares públicos que são marcados por uma complexidade e automatismos onde ordenamos a nossa comunicação e onde a nossa imagem é tão importante como o perfume ou a roupa que vestimos, a nossa autonomia é ditada pela forma como a respeitamos ou repudiamos os códigos estatutários.
É nessa perspectiva que os estudos de Erving Goffman ainda mantêm actualidade, remetendo-nos para estudos multidisciplinares onde a psicologia económica, a antropologia social e cultural e a sociologia do consumo são, entre outros, vectores que contribuem para o funcionamento do mercado, do fabrico ao consumo. Nesta perspectiva de estudo, “Comportamento em Lugares Públicos” é uma referência incontornável.
Beja Santos
Jan.2011

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