quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Falar de crianças

English: child playing Português: criança brin...
Image via Wikipedia


António Campos



(…) Falar de crianças, é uma temática complexa. Primeiro, porque o conceito, às vezes, é usado como substantivo para definir um comportamento, outras vezes como adjectivo se queremos denegrir indivíduos do nosso grupo social dos quais não gostamos, revelando assim a existência de um pensamento negativo sobre pessoas do nosso grupo social. Por outras palavras: é um conceito manipulável. A definição de criança pode ser complexa: não é um conceito que faça referência sempre à mesma idade, porque pode-se ser denominado criança ao nascer, nos cronológicos quatro anos, ou, como definem a lei positiva e canónica no caso português pode-se tornar a ser criança por diminuição da capacidade de entender o real ou desenvolvimento da capacidade de usar a razão.

(…) O conceito criança muda conforme é empregue nas várias ciências que falam dos mais novos, no senso comum – o mais usado – e na cultura que é referida, é dizer, muda conforme seja permitido agir dentro dum Estado, uma Nação, Etnia, ou Grupo Social tout court. Apenas pode entender-se, neste ponto, que ser criança é estar sujeito a adultos com capacidade de optar e gerir recursos que rendem lucro e mais valia, o cerne da nossa interacção social, a corrida, a concorrência entre seres humanos, ao demonstrar que se sabe mais pela maturidade da capacidade de pensar.

A lógica dos mais novos, parece-me ser, como tenho definido em outros textos, uma estrutura de ideias em processo de formação, de acumulação de ideias, experiências e formas de pensar: uma epistemologia em crescimento. A relação adulta – criança começa pela simpatia dos mais velhos ao festejar, com encorajamento e carícias, essa primeira vez que um ser humano pequeno pronuncia um som que parece palavra, ou a começar a distinguir entre os mais próximos que ama e desdenhar esses que aprende a não gostar ou dos que, emotivamente, sabe ter medo e afastar. Todos estes sentimentos, são o objecto científico do meu interesse para analisar, entender uma emotividade em crescimento, uma epistemologia em formação e assim a amar ou colocar a prudente distância. Ou, simplesmente, para a ensinar a reproduzir a nossa cultura, os nossos pensamentos, língua, costumes, amostra de amor permanente para os mais pequenos.

Ou, ao contrário, desenvolver um processo educativo que permita a sua liberdade de entender, desenvolver livremente o seu imaginário, criar uma fantasia, entender disciplina, carinho, emotividade sedutora, formas de comportamento para ser pessoa com identidade própria entre tanto ser humano diferente. Comportamento com a criança na base de processos diferenciados de tanta forma diferente de ser que existe, entre tanta cultura de várias gerações em coexistência a partir de contextos históricos diferenciados. Em síntese, a criança é uma entidade desconhecida que pensamos saber orientar porque nasce, ou, melhor dizendo, porque a concebemos na base da paixão. O tal senso comum que referia.
Eu próprio fiquei de boca aberta no dia que fui pai e adorei a minha própria criação, com um certo tremor no meu comportamento ao não saber muito bem como fazer para desenvolver uma capacidade de amar e de entendimento. Cada mês ou ano que passava, era preciso pensar e organizar uma estratégia diferente a ser empregue na minha interacção com eles, a minha cônjuge, os parentes, amigos e vizinhos e comigo próprio, processo de estrutura emotiva e material mutável dia após dia. 

O trabalho de sermos pais, a ilusão de sermos pais. Não esqueço factos que apoiam esta dificuldade da omnipotência humana, esse agir que nos faz deuses perante os nossos, mas deuses de pés de barro: ás vezes as crianças não queriam almoçar ou jantar por se terem fartado de guloseimas durante o dia. Guloseimas que dão conta do apetite, mas não de alimentação ao longo do dia. Fiquei preocupado. Qual o milagre a aplicar? Solução: íamos juntos às compras, juntos a seleccionar o que íamos comer e, se bolachas, chocolates, rebuçados eram escolhidos, eu lembrava docemente, com palavras simples por causa da idade, que a seguir íamos ter um debate sobre a compra…sem chicotadas, bem entendido, mas à distância que o carinho pela nossa criação, permite e por causa da alimentação. Perante palavras firmes, explicativas e comportamento militante do crescimento livre mas bem nutrido, os meus pequenos decidiam não escolher, começando assim a exercer domínio sobre si, a pensar, a optar(…).

É assim que entendemos as crianças? Com esse trabalho de imaginação do adulto, que nem sempre está feliz consigo próprio e os outros por causa da estreita economia que devemos aplicar para viver ou as impaciências amorosas que acontecem dentro de um grupo em permanente movimento de crescimento dentro da História? É dizer, grupo social em permanente mudança emotiva ou abstracta e material ou simbólica. Serão esses mais novos os anjos prometidos e sonhados pela paixão e a cultura social? Anjos silenciosos e submetidos aos seus adultos, que sabem cantar e recitar? Que desenham, gatinham com a baba a escorregar da dentada a nascer? Sermos pais, é brincarmos? Ou ver, ouvir e calar até a necessidade de falar para alimentar o crescimento de filhos e, especialmente, de pais.

(…) No meu pensamento, para entendermos criança, esse “subentendido”, como refiro mais á frente, esse ser que….está ai…anda por aí…berra por aí….é preciso saber ser adulto que, com serenidade e sabedoria saloia ouve, vê, cala e fala quando perguntado,… E nada mais para fazer e ser progenitor. Escolas de pais, até hoje, existem apenas as que frequenta a descendência e só para acompanhar a subordinação dos futuros cidadãos a uma lei que obriga a um comportamento regulamentado pela lei codificada e pelo costume que vive na nossa mente.

Sermos pais, é passar os nossos “concebidos” pelo saber social, com carinho e certas palavras estritas de disciplina, com compreensão que não se confessa pelos actos cometidos pelos pequenos, para comentar na mesa de jantar com calma e sinceridade aberta. Sermos pais é uma obrigação que dura apenas os anos que decorrem entre a concepção e o desenvolvimento da capacidade de entender, na inteligência dos mais novos, no seu imaginário jamais recalcado. Até esse dia em que a criança é o adulto que nos substitui enquanto nós ficamos a reorientar a nossa vida de ser pais sem filhos, quer na nossa casa, quer num lar(…).

Mas, um segundo ponto me interessa definir e entender: essa descoberta de Sigmund Freud em 1885, sobre a existência de vida libidinosa erótica no corpo e mente das crianças. Como diz um autor moderno, do nosso Século – Boris Cyrulnik, estamos em frente de pequenos patinhos vilãos. Que manipulam, que gritam, que trocam beijinhos por um objecto do seu desejo, que nos fazem correr. E, entre a concepção e o começo do entendimento, que acontece entre nós na estudada e analisada idade dos quatro anos, a paternidade/maternidade transpira, corre, cala, amua, dá carinho, tudo talvez durante o mesmo dia, ou por épocas. Às vezes, especialmente nos Séculos XX e XXI, um dos adultos pensa que este comportamento é por causa do outro cônjuge e vai-se embora e abandona sua ninhada, às vezes, para sempre. Faltou-lhe saber o que Freud andava a dizer e a desenvolver a partir de 1909(…).

O que entrego para o debate entre todos nós e para sabermos, finalmente, que a vida erótica existe desde o primeiro dia de um ser humano, que é um processo em diversos contextos, factos entre nós, crime entre outros rituais. E que muitas de denominadas “birras” das crianças que, conforme Bion, ainda não entraram no desenvolvimento da razão, pelos 4 anos de idade, são devidas a insatisfação sexual, emotiva, de sentimentos da libido. O anjo é preparado pelas Igrejas, porque é preciso tomar conta do facto mais complexo entre nós: o incesto, actividade existente faz séculos e, hoje em dia, analisada e julgada na praça pública…por nós, os encarregados de orientar a vida além do incesto do nosso lar. Sermos pais disciplinadores e educadores, é uma ilusão. Sermos pais atentos aos factos eróticos do nosso lar e especialmente à pedofilia, masturbação, violação, adultério, é, em conjunto com o incesto, o objectivo da paternidade de todo progenitor.

Raul Iturra (adaptado)
Jan.2011

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