sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Hegemonia Lingüística e Imperialismo Cultural (III)


Nildo Viana

Com o processo de desenvolvimento capitalista e a expansão dos meios oligopolistas de comunicação, temos uma nova disputa lingüística internacional, agora entre os idiomas dominantes. Cada país colonizador impôs seu idioma aos países colonizados e isto foi mantido mesmo após a chamada “descolonização”. Assim, as colônias francesas reproduziam a língua francesa, as colônias portuguesas a língua portuguesa, e assim por diante. Isto produziu uma competição interimperialista no nível lingüístico, embora de forma amena e nem sempre com tanta ferocidade como ocorria nas outras esferas. As potências colonizadoras de capitalismo mais frágil, como foi o caso de Portugal, conseguiu implantar a língua portuguesa em várias colônias (Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, etc.), mas a influência mundial desta língua nunca foi grande, não ultrapassando as fronteiras dos países que a tornaram sua língua oficial.

A hegemonia lingüística mundial passou do francês para a língua inglesa. O desenvolvimento capitalista a partir do século 18 marca a hegemonia do inglês, pois a Inglaterra foi durante muito tempo a grande potência capitalista mundial e foi substituída por sua ex-colônia, os Estados Unidos, também de língua inglesa. Os mais fortes concorrentes lingüísticos (francês, russo, etc.) não conseguiram suplantar tal hegemonia. Na atualidade, com o neoimperialismo e o processo de ampliação da dominação norte-americana no mundo, ela fica ainda mais forte. Esta é uma outra face da dominação lingüística internacional, que marca a relação entre linguagem, poder e relações internacionais. Assim, junto com a dominação imperialista temos a dominação lingüística, pois no capitalismo subordinado se aprende inglês nas escolas, mas nos EUA e Inglaterra não se aprende espanhol, português, etc., no sistema escolar.

O imperialismo cultural é parte componente do processo de exploração internacional, tanto do ponto de vista mercantil quanto do ponto de vista exclusivamente cultural. A dominação cultural cria mercadorias culturais (filmes, livros, obras de arte, músicas, etc.) que são vendidas e reproduzem o processo de transferência de mais-valor dos países capitalistas subordinados para os países imperialistas, principalmente os Estados Unidos. A produção cultural, artística e científica é concentrada nos países imperialistas e devido ao processo de colonização cultural, a autonomia intelectual, artística, é restrita nos países de capitalismo subordinado, ficando restrita às fronteiras nacionais, com poucas exceções. Os modismos da indústria cultural invadem o capitalismo subordinado e faz fortunas (e isto vale até mesmo para a produção científica, principalmente – mas não unicamente – na área de ciências humanas). O lucro é certo, bem como o seu possuidor, as empresas oligopolistas transnacionais. Mas também a supremacia cultural é certa, e assim temos a reprodução de valores, idéias, do capitalismo imperialista, o que reforça sua dominação, pois passa a ser introjetada e reproduzida pelos dominados.

No plano lingüístico, isto se reproduz de forma ampliada. Além do sistema escolar reproduzir a hegemonia lingüística mundial, temos também os meios oligopolistas de comunicação e toda a produção de mercadorias culturais que chegam aos países subordinados com a língua hegemônica, made in USA. Daí as expressões lingüísticas inglesas se tornarem objetos de reprodução em gírias, brincadeiras, mesclas, e assim se cria mais uma fonte de reprodução da hegemonia lingüística inglesa. Além disso, se os “grandes” cientistas, artistas, intelectuais em geral, escrevem em inglês (ou, em menor grau, francês, italiano, alemão, espanhol) então o domínio destas línguas se torna uma “necessidade”. O ensino obrigatório da língua inglesa nas escolas brasileiras é apenas a face popular e introdutória de todo este processo. Assim, nas publicações científicas brasileiras, as revistas acadêmicas, há, geralmente, a exigência do resumo em português e do abstract em inglês; nos processos de seleção para mestrado e doutorado temos novamente a exigência de domínio desta língua e no último caso de uma outra (geralmente se coloca como opção o alemão, o francês e o italiano e, em casos mais raros, a língua mais próxima, o espanhol, desvalorizada por razões óbvias: está abaixo na hierarquia mundial...). Isto tudo quer dizer que a colonização cultural é mais intensiva nos meios intelectualizados, bem como a hegemonia lingüística. Na atualidade é reconhecida a hegemonia lingüística inglesa, bem como seus efeitos:

“O imperialismo do inglês é um seguro meio de poder em vários níveis. Há muito tempo as multinacionais vêm privilegiando o inglês em suas relações com as sucursais e entre elas. É sem dúvida uma necessidade, mas também um meio de fazer passar, dessa maneira, todo um conjunto de informações que modelam, que estruturam os espíritos e as coletividades. O imperialismo da cultura anglo-saxônica é, antes de tudo, um imperialismo da língua inglesa, como foi o caso do francês” (Raffestin, 1993, p. 117).

Todo este processo encontra algumas resistências, tal como colocaremos a partir de agora. Assim, surgem propostas de adoção de uma nova língua que não seja o inglês, algo que não passa de fantasia, pois qualquer outra língua representará outro país e apenas se reforçará um país imperialista em detrimento de outro, o que só seria possível, também, com a mudança nas relações concretas na esfera da produção e reprodução do capital. A recuperação de línguas nativas também não teria sentido, pois seria o mesmo que defender, como Policarpo Quaresma, personagem de Lima Barreto (1988), a volta do uso do tupi-guarani. No entanto, estas propostas parecem esquecer a existência de uma possibilidade alternativa já desde o início do século 20, da qual trataremos a seguir.[…]

do Informe e Crítica, de Nildo Viana

Fim

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