sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O pecado através dos tempos (III)



 

3 – Os pecados

De um modo geral, pensa-se que os conceitos que proíbem determinadas condutas na gestão das relações sociais são de natureza sexual e definem a sua repressão. De facto, a história mostra-nos de que forma os corpos se chegam aos corpos por razões bem mais fortes do que as interdições. No entanto, o erotismo e a paixão são temas “governados”, entre outros assuntos, pela doutrina e pelo Direito Canónico. Notem-se três aspectos: em primeiro lugar, que a legislação procura reparar as faltas, isto é, espera que estas sejam cometidas; em segundo lugar, faz uma apurada listagem da sua ordem de grandeza; em terceiro, que as faltas em matéria sexual variam de lugar e importância em diferentes épocas.

Talvez se possa dizer, com base na evidência histórica, que os chamados pecados da carne, mais do que destinados a orientar os diversos tipos de cópulas possíveis entre os seres humanos, referem-se mais ao destino do produto, caso se trate de relações frutíferas. O próprio Direito Canónico, e a sua laicização na lei positiva, prevêem quais as pessoas, fruto de outros, que se podem ligar aos seus bens e autores, de modo a definirem um posicionamento em relação ao resto dos membros que se consideram ascendentes e descendentes.

Quase preferia afirmar que a sabedoria, a justiça e a caridade, atributos da divindade, são distribuídos entre o povo de formas diversas em épocas diversas, e que a visão do pecado sexual é, antes de mais, um tema dos últimos trezentos anos da história ocidental, que agora começa a mudar: nem de outro modo se explica a cuidadosa classificação dos seres humanos e das suas práticas eróticas que o colocam mais perto ou mais longe do convívio social, dos seus parentes. Quase preferia afirmar que a detalhada listagem das interdições sexuais tem menos a ver com as próprias práticas e mais com a necessidade de salientar um tipo de prática em relação às outras. As relações reprodutivas, se comparadas com as que resultam da afectividade como Aristóteles definiu, são incessantemente pregadas por S. Paulo, sem detrimento de outras, desde que se procrie. As relações reprodutivas são exclusivamente consideradas práticas legítimas do desejo para os reis, depois para os senhores, e só hoje em dia para o povo, desde que a Igreja, há nove séculos, se fixou no casamento, na altura em que primeiro o poder, e depois os bens eram transferidos ao substituto do titular por via da descendência e estirpe esclarecida.

Mas, acerca destas matérias, haverá sempre pouca luz, quer porque as práticas sexuais de ontem são vistas com os olhos de hoje, quer porque atingem um campo extremamente sedutor das relações sociais, quer ainda porque talvez não seja de separar a afectividade do prazer e esta seja a definição de luxúria, uma tendência para a unidade do ser, uma unidade que só se pode praticar de forma variada e heterogénea, como fica provado pelo perdão que, afinal, sempre merecia.(…)

Raul Iturra

Julho 2011

No Aventar

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