sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O pecado através dos tempos (IV)






4. A lealdade

É necessário atentar no conjunto das relações sociais para entender que os atributos da divindade sejam o modelo pelo qual se afere o comportamento. A sociedade que se faz a si própria desenvolve a redução do desconhecido ao conhecido, descobrindo as suas próprias leis de funcionamento. As ideias de pecado têm um contexto no Evangelho, que é o da falta de unidade entre o coração e os factos, a revolta contra a sua própria casa, que faz com que tudo esteja errado. Esta maldade é referida a uma entidade externa, caso haja arrependimento: o demónio, excelente bode expiatório, construído com todos os conceitos, que explicam os avanços da virtude e recuos da lealdade à lei e aos outros. A falta de amor, a luxúria que comporta deslealdade e causa a infelicidade, o não tomar partido e assumir os resultados, a falta de valor moral, são os elementos que compõem o pecado.

Depois, a história de uma sociedade como a judaica, espalhada entre os bárbaros da Europa, cria ao longo da sua civilização os seus intelectuais, que salientam elementos conjunturais. S. Paulo define Deus como centro da acção, com uma lei perante a qual a carne é fraca porque procura o prazer com o outro e não a compreensão do outro, da qual todo o prazer deriva, inclusive o carnal.

Penso que é entre a luxúria e a caridade, isto é, a lealdade e a compreensão das características do outro no seu contexto, que se debate do temor do mal e da procura do bem. Infelizmente, só temos os testemunhos da escrita, registados por letrados que, inúmeras vezes, retiraram da vida quotidiana os ditos, milagres e histórias que sobressaem nessa mesma vida quotidiana, para sabermos como se desenvolve este vaivém na cultura do povo. Mas temos pelo menos um, ou dois grandes indicadores: o primeiro é a doutrina; o segundo, o que se pode reconstruir do nosso próprio presente e resgatar da memória do tempo. Desde o século II, a metáfora da salvação envolve a fidelidade do grupo e as suas ideias, a aceitação da divisão dos poderes pelas capacidades de manipular a natureza de cada indivíduo para o que há que ter vontade livre, como insiste Agostinho de Hipona, a fim de entender e agir e ainda fazer o orgulho substituir Deus por si próprio, é esse o mal de então, que ficou definido até agora na memória dos povos cristãos. De modo que, na teoria moderna, que continua a insistir na divisão entre carne e espírito, a carne representa a individualidade que pode libertar, e o espírito representa o ente social, culturalmente formado. O pecado é o facto de agir independentemente, que desfaz a vida do grupo.(…)

Raul Iturra
Julho 2011
No Aventar

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