sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O pecado através dos tempos (I)




1 – A heterogeneidade

Se a sociedade é produto dos homens, também as ideias contêm uma explicação histórica, quer no sentido da passagem do tempo e na acumulação da experiência do grupo social, quer no facto de pertencer a um tipo de explicação positiva da sociedade. Enquanto facto, o pecado é sujeito da produção humana e tem-se desenvolvido através do tempo e pertence à experiência das relações sociais das diversas culturas do mundo, hoje ou no passado. E digo como um facto, porque a ideia é um conceito genérico que subordina, envolve, define diversos comportamentos mutáveis através dos tempos, reprovados pelo grupo social e por alguma autoridade que sancione a opinião do grupo, autoridade que se baseia mais no que, sendo desconhecido para o conjunto da população, é por ela explicado.
É destes temas que me queria socorrer para argumentar a correlação existente entre o facto histórico de existir com a ideia de pecado, criada pela sociedade e que a reproduz em que uma autoridade recolhe, sistematiza e controla; e a existência histórica de condutas que se baseiam na estrita colaboração de grupos sociais, cujos indivíduos trabalham e coordenam actividades definidas pelas habilidades e conhecimentos de cada um sem mais garantia que o seu compromisso pessoal e hierarquicamente definido. Por outras palavras, existe uma relação entre as ideias que um grupo social tem acerca do que deve ser feito por ser necessário, e as ideias acerca do que acontece se tal não é respeitado, ou seja, se a proibição é violada. Isto é pecado.
É a teoria que um grupo social elabora para garantir que se sucedam os factos positivos da continuidade, que mudam, de tempos a tempos, de contexto, e de cultura para cultura. Entre os Kiriwina, da Nova Guiné, quem não é capaz de apresentar ao guardião da ilha dos mortos um inhame de acordo com o tamanho da família que devia alimentar, perde a sua capacidade de reencarnação e passa a peixe, sendo engolido pelos homens e desaparecendo da existência. No Peru, o machihuenhua que não saiba trabalhar transforma-se em macaco, mesmo em vida. O quechua, que desconheça a autoridade do pai e lhe bata, ficará com a mão seca. O alemão que não seja diligente não pode ser amado pelos outros e perde a visão da divindade. O português adúltero deve pedir a absolvição no tribunal da penitência; o morgado que fez um bastardo cumpre o seu dever; quem trai um seu, não terá nem tribunal humano nem divino que o salve. A figura histórica de Judas Iscariote é disso exemplo.(…)

Raul Iturra
Julho 2011
No Aventar

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