1 – A
heterogeneidade
Se a sociedade é produto dos homens,
também as ideias contêm uma explicação histórica, quer no sentido da passagem
do tempo e na acumulação da experiência do grupo social, quer no facto de
pertencer a um tipo de explicação positiva da sociedade. Enquanto facto, o
pecado é sujeito da produção humana e tem-se desenvolvido através do tempo e
pertence à experiência das relações sociais das diversas culturas do mundo,
hoje ou no passado. E digo como um facto, porque a ideia é um conceito genérico
que subordina, envolve, define diversos comportamentos mutáveis através dos
tempos, reprovados pelo grupo social e por alguma autoridade que sancione a
opinião do grupo, autoridade que se baseia mais no que, sendo desconhecido para
o conjunto da população, é por ela explicado.
É destes temas que me queria socorrer para
argumentar a correlação existente entre o facto histórico de existir com a ideia
de pecado, criada pela sociedade e que a reproduz em que uma autoridade
recolhe, sistematiza e controla; e a existência histórica de condutas que se
baseiam na estrita colaboração de grupos sociais, cujos indivíduos trabalham e
coordenam actividades definidas pelas habilidades e conhecimentos de cada um
sem mais garantia que o seu compromisso pessoal e hierarquicamente definido.
Por outras palavras, existe uma relação entre as ideias que um grupo social tem
acerca do que deve ser feito por ser necessário, e as ideias acerca do que
acontece se tal não é respeitado, ou seja, se a proibição é violada. Isto é
pecado.
É a teoria que um grupo social elabora
para garantir que se sucedam os factos positivos da continuidade, que mudam, de
tempos a tempos, de contexto, e de cultura para cultura. Entre os Kiriwina, da
Nova Guiné, quem não é capaz de apresentar ao guardião da ilha dos mortos um
inhame de acordo com o tamanho da família que devia alimentar, perde a sua
capacidade de reencarnação e passa a peixe, sendo engolido pelos homens e
desaparecendo da existência. No Peru, o machihuenhua que não saiba
trabalhar transforma-se em macaco, mesmo em vida. O quechua, que
desconheça a autoridade do pai e lhe bata, ficará com a mão seca. O alemão que
não seja diligente não pode ser amado pelos outros e perde a visão da
divindade. O português adúltero deve pedir a absolvição no tribunal da
penitência; o morgado que fez um bastardo cumpre o seu dever; quem trai um seu,
não terá nem tribunal humano nem divino que o salve. A figura histórica de
Judas Iscariote é disso exemplo.(…)
Raul Iturra
Julho 2011
No Aventar
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