quinta-feira, 22 de abril de 2010

A crise da imprensa é muito ética

Press Credential MontageImage by st bernard via Flickr


António Campos

Chovem os artigos na imprensa internacional sobre a crise da imprensa, enquanto crescente número de jornais fecham, despedem jornalistas, diminuem as suas tiragens. Os diagnósticos, ao serem feitos, em grande medida por pessoal ligado a essa imprensa, não conseguem sair do rame rame usual: a difusão da internet grátis, dos jornais grátis, etc., etc., seriam os responsáveis. Será?
Mas um artigo, desta vez da prestigiosa publicação norte-americana The Nation – “How to save jornalism?”, de John Nichols e Robert W. McChesney, de 25 de Janeiro deste ano – aponta para um diagnóstico um pouco diferente. Em primeiro lugar, classifica o jornalismo como um “bem público”, considerando que deveria ser considerado da mesma forma que se considera a educação, saúde pública, o transporte, a infra-estrutura.
Considerado dessa maneira, o facto de ser financiado por publicidade já desvia ou deforma esse carácter público, porque a publicidade visa interesses privados, venda de mercadorias, prestação de serviços na esfera privada. Essa concepção remeteria ao tema do financiamento público da imprensa.
Quanto ao diagnóstico que aponta para a difusão da internet, os autores recordam que a crise começou muito antes, já nos anos 1970, apontando para a busca de maximização dos lucros pelas grandes corporações, que foram tornando as médias empresas como outras quaisquer do seu imenso leque de investimentos, tendo como resultado, entre outros, a diminuição da qualidade e a banalização do jornalismo, cada vez mais longe de ser um bem público.
As propostas actuais de tentativa de superação da crise financeira apontam normalmente para o pagamento das páginas de internet, dado que a publicidade nestas representa um ganho de 10% do que se perde nas publicações impressas. No entanto, apenas um ou outro jornal que acredita na sua capacidade de manter audiência sendo pago – como o The Wall Street Journal – se arriscam nessa direcção. Ainda assim, é duvidoso que possam arrecadar uma proporção minimamente significativa do que perdem com a diminuição da tiragem e, principalmente, com a retracção da publicidade, canalizada para outros meios.
Na realidade, a crise da imprensa é a da perda de credibilidade, é uma crise ética, de sua transformação em um instrumento da publicidade, do ponto de vista económico, e da sua constituição em mentor político e ideológico do liberalismo. Os dados, publicados recentemente, demonstram como todos os grandes jornais brasileiros perdem leitores, mas sobretudo perdem influência. Embora todos os maiores jornais e quase todas as revistas semanais – à excepção da Carta Capital – sejam de férrea oposição ao governo, este mantém 83% de apoio e eles conseguem apenas 5% de rejeição do governo. Temos aí uma ideia da baixíssima produtividade desses órgãos de oposição.
Jornais progressistas como La Jornada, do México, Página 12, da Argentina, Público, da Espanha, que gozam de alta credibilidade, se consolidam e se expandem, tendo páginas abertas amplamente visitadas. O seu património é a sua ética social, as suas posições políticas democráticas, o espírito pluralista dos seus comentaristas, a originalidade das suas coberturas jornalísticas.

Emir Sader, adaptado


Reblog this post [with Zemanta]

Sem comentários:

Enviar um comentário