sábado, 3 de abril de 2010

A Relação com o Passado e com o Futuro

Passé - Futur !Image by Romain [ apictureourselves.org ] via Flickr


António Campos

Relação com o passado

Hoje, a relação com o passado reduz-se seja ao turismo arqueológico a preços módicos, seja à erudição e ao museísmo de todo tipo. Devemos rejeitar a pseudomodernidade e pseudosubversão - a ideologia da tábua rasa -, assim como o ecletismo ("o pós-modernismo") ou a adoração ao passado. Uma nova relação com o passado supõe fazê-lo reviver como nosso e independente de nós, ou seja, significa ser capaz de entrar em discussão com ele aceitando ao mesmo tempo que ele nos questione. Antes, a relação que os atenienses no século V mantinham com o passado apresenta-se não com um modelo, mas como um germe, um índice de possibilidades realizadas. A tragédia não 'repete' os mitos; ela os reelabora e os transforma para que, saídos de um passado imemorial, eles possam investir a linguagem e as formas do mais vivo presente e, desse modo, atingir os seres humanos de todos os futuros possíveis. Esse estranho 'diálogo' com o passado, com duas vias com sentido único, disjuntas na aparência, mas não na realidade, é uma das possibilidades mais preciosas que a nossa história criou para nós. Assim como devemos reconhecer nos indivíduos, nos grupos, nas unidades étnicas ou outras a sua verdadeira alteridade, e fundar a nossa coexistência com eles nesse reconhecimento,... devemos reconhecer em nosso próprio passado uma fonte inesgotável de alteridade próxima, trampolim para nosso esforços e abrigo contra nossa loucura sempre à espreita.

Relação com o Futuro

Devemos também estabelecer uma nova relação com o futuro, deixar de vê-lo como um 'progresso' ilimitado, dando-nos sempre mais do mesmo, ou como o lugar de explosões indeterminadas. Não se poderia também onerar a nossa relação com o futuro etiquetando com o termo falacioso de 'utopia'. Além daquilo que se costuma chamar de possibilidades do presente, cuja fascinação não pode senão engendrar a repetição, devemos, sem renunciar ao julgamento, ousar querer um futuro - não um futuro qualquer, não um programa estático, mas esse desenrolar sempre imprevisível e sempre criador, de cuja conformação podemos tomar parte, pelo trabalho e pela luta, a favor e contra.


Cornélius Castodiadis
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.



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