trust (Photo credit: cambiodefractal) |
António Campos
a amizade masculina é camaradagem
Falar de
camaradagem masculina, é um risco. O mundo latino pensa, de imediato, que a
linguagem amorosa é de uso exclusivo do universo feminino, ou, quanto muito, do
foro íntimo de um casal (homem-mulher).
Na actualidade
há homens que rompem as barreiras classificatórias dos sentimentos, recorrendo
ao uso das palavras que, até há pouco tempo, eram identificadas com a
fragilidade do mundo feminino.
Na minha
opinião, o engano é duplo: será que a mulher é tão frágil como se pensa e o
homem tão masculino, que não saibe brincar com palavras atribuídas ao casal?
Nestes dias, falar de camaradagem masculina, pode levar a enganos, sobretudo a
partir das novas leis. Quanto à fragilidade feminina, com o mundo em crise
financeira, é um facto quase impossível. Facto que faz a mulher mais masculina
que feminina: deve trabalhar com todos os seus músculos e todo o seu corpo,
caso se empregue como mestre-de-obras. As palavras podem enganar sobre a pessoa
da qual falamos.
As palavras não
só definem, como especulei no meu livro de 2010, Marx um devoto luterano,
em edição, como também pensam e levam-nos a enganos. Se um homem diz amo-te,
sem sabermos de quem se fala, podemos pensar que se declara a uma mulher,
quando, de facto, está a fazer uma galanteria ao seu pai, filho, irmão ou a um
amigo da sua intimidade.
Amar não é uma
palavra que é pensada como se só existisse no campo do feminino. Grande engano,
porque entregar e receber sentimentos de simpatia e intimidade, é um sentimento
universal. Parece-me que ninguém é capaz de viver sem essa emotividade, que,
por vezes, ocupa-nos todo o tempo, seja um ele ou uma ela e de qualquer idade.
Os sentimentos não têm sexo: existem ou não existem. Pode-se amar um amigo, uma
amiga, dito por outras palavras, os sentimentos são sexualizados por quem fala
ou pelo sentimento que experimentamos por alguém. Tenho consultado todos os
dicionários, todos eles envolvem a sexualidade desnecessariamente, ao definir
amor como a paixão que se sente por alguém, sendo paixão o desejo de tomar
conta de uma pessoa, de dar a nossa asa a quem gostamos muito, com respeito,
confiança e sinceridade. Essa pessoa a quem contamos os nossos segredos mais
íntimos, na certeza que ficam apenas com ela. O que é, porém, a paixão? O
sentimento de uma grande inclinação ou predilecção por um ser que até pode,
repare leitor, levar ao sentimento libidinal predileção, definido por Freud
(seguido pelos seus discípulos) a partir do texto de 1923: O ego, o superego
o isso ou Id. Neste triângulo, o Isso ou Id tem o papel de vigiar que um
superego qualquer queira fagocitar à pessoa que se diz que se ama. Grande
pecado, para os que acreditam numa divindade, crime para quem o faz por
divertimento, como no caso da Casa Pia.
Este conjunto
de pensamentos, nascem de uma brincadeira que um amigo me fez: não se importe,
em breve estou ai e vou ser todo seu. Onde está o sexo de quem diz a frase?
Está nas letras terminais da mesma, que distingue masculino de feminino. Ora
bem, qual a diferença entre as duas vogais? O hábito de separar seres que, sem
cerimónia, hoje em dia se podem juntar, facto que tenho observado, em trabalho
de campo, na análise da mente. Uma altura, passava uma noite de natal ao pé de
um grupo de camaradas, bêbados até cairem, que passavam os braços pelo pescoço
uns dos outros, de forma tão fraternal, que comovia; havia também os mais novos
que gostavam de acariciar um corpo masculino, forte, bem formado, e o amigo
mais velho deixava-se tocar: era carinho! Ao passar por eles correu a voz: olha
que vem ai o Senhor Doutor. De imediato o seduzido, começou a bater no mais
novo. Lá fui eu, à uma da manhã, até ao lenho que ardia para aquecer a fria
noite com neve, separei-os, tomei-os pelo pescoço que cheirava a álcool,
abracei-os e estabelecemos uma conversa qualquer, acabando a minha intervenção
com a frase os amigos não se batem, amam-se e em amar não há pecado nem
crime nenhum. Por ali ficámos junto ao lenho e os meus camaradas,
contaram-me alguns dos seus problemas, sentimentos e traições de amar a mulher
mãe dos seus filhos, mas seduzir outra.
Há hábitos e
costumes que se calam ou se contam ao ser da nossa intimidade, com calma,
serenidade e confiança. A libido está no Id de Freud de 1923, ou no de 1906: On
sexuality, texto que define aberrações cometidas com crianças, como a
pedofilia e outras narrativas psicanalíticas.
Diz-se que o
hábito não faz o monge, frase irónica e metafórica, por existirem vários não
monges, vestidos, como quem diz, de monge ou cordeiro. Há esse respeito, esse
amor que nasce da camaradagem de pessoas que demonstram o seu carinho com o
respeito das palavras usadas e o uso do corpo da outra pessoa. Há certa
distância que nasce da camaradagem, como tenho observado ao longo de cinquenta
anos de trabalho de campo. Até aparecer esse sentimento de amar que apenas se
demonstra com a libido em acção.
O meu problema
é ser o totem das pessoas que estudo. A maior parte das vezes contam factos
que, se existem, não têm a segurança de narrar. As crianças ainda não púberes,
por não entenderem a sexualidade, brincam aos casamentos, seja um ele com uma
ela e vice-versa, ou dois eles, especialmente se são camaradagens rituais, como
entre os Picunche da Cordilheira dos Andes, que estudei, os Baruya da Nova
Guiné estudados por Maurice Godelier, entre 1975 e 1979, ou Malinowski no
arquipélago das Ilhas Kiriwina, entre os Massim, entre outros.
Actualmente, é
raro o antropólogo que faz trabalho de campo vivendo com os seus analisados.
Ou, por outras palavras, que corra o risco da camaradagem, como intitulei o
presente o texto. Muitos deles são de outra cultura e não dizem o que vêem
entre os, por si, estudados. Jorge Dias e Manuel Vieigas Guerreiro, foram
capazes de observar a camaradagem dos Maconde de Moçambique, mas silenciaram a
vida libidinal que só veio a lume na mais recente (acrescentada) edição do
livro do António (Jorge Dias).
Persisto no
trabalho de campo. Tenho tido a honra de receber propostas de iniciação sexual
por parte de outros homens, que tenho rejeitado não por causa deles, mas pelos
constrangimentos da minha cultura, pois só em 2010, a camaradagem segredada
entre homens, passou à luz do dia. Não há distinção de sexualidade nesta minha
hipótese de camaradagem entre homens, que devo desenvolver com mais tempo e
cuidado, a seguir…
Raul Iturra
Fev.2011
Sem comentários:
Enviar um comentário