sexta-feira, 15 de junho de 2012

Antropologia e Primitivismo Português

 



«A tragédia mental de Portugal presente é que, como veremos, o nosso escol é estruturalmente provinciano». (Fernando Pessoa)

«Quando o carácter adoece e se dilui, é natural que o espírito de iniciativa dê lugar ao imitativo ou simiesco. A degenerescência inferior apaga os valores adquiridos que se conservam, em nós, como que num estado de perpétuo esforço. Sempre que o homem hesita na sua humanidade, aparece o macaco. Este persegue-nos constantemente, vigiando-nos, e aproveitando o primeiro descuido da nossa pessoa, para se lhe substituir». (Teixeira de Pascoaes)

«Nunca os portugueses mostraram queda para as altas especulações filosóficas.» (Sampaio Bruno)

Na história do espírito humano, podemos distinguir dois tipos de épocas: as épocas em que o homem está abrigado e as épocas em que o homem está à mercê das intempéries, sem-abrigo. Nas épocas abrigadas, o homem vive no mundo como se vivesse em sua própria casa, enquanto, nas épocas sem-abrigo, o mundo é uma imensa intempérie e, frequentemente, o homem não tem quatro estacas para erguer uma tenda. A natureza da reflexão antropológica varia em função da época em questão. Nas épocas abrigadas, o homem não é um ser problemático e, por isso, o pensamento antropológico integra-se pacificamente no seio dopensamento cosmológico, mas, nas épocas desabrigadas, o homem torna-se problemático para si mesmo e, em consequência disso, o pensamento antropológico adquire profundidade e independência.

A pré-história da antropologia filosófica fornece todos os materiais para pensar esta conexão entre o tipo de época histórico-espiritual e a natureza do pensamento antropológico, bastando nomear Santo Agostinho que se surpreende com aquilo que no homem não pode ser compreendido como parte integrante do mundo, e o movimento espiritual da gnose, sobretudo o maniqueísmo, que, despojando a criação de valor, nega ao homem um lugar no mundo. Apesar da riqueza cognitiva desta pré-história antropológica, o nascimento da antropologia filosófica está estruturalmente ligado à emergência do capitalismo: «Mundo contingente e indivíduo problemático são realidades que se condicionam uma à outra» (Lukács).

 O mundo contingente de que fala Lukács é, conforme mostraram Marx e Engels, uma criação do capitalismo: o pecado original do capitalismo – a apropriação privada dos bens da natureza e da sociedade - é a manifestação suprema da alienação. A associação teológica da alienação com o pecado original foi vista pelo jovem Lukács nestes termos: «O carácter estranho desta natureza relativamente à primeira, a apreensão moderna sentimental da natureza, não são mais do que a projecção da experiência que ensina ao homem que o mundo ambiente que ele mesmo criou não é para ele um lar, mas uma prisão». A contingência do mundo e o homem problemático são realidades e categorias históricas que se condicionam reciprocamente: a missão histórica - isto é, política - do marxismo foi dar um abrigo ao sem-abrigo.

 Porém, independentemente dos efeitos nefastos da crise financeira e económica de 2008, a concretização de uma política do homem abrigado não é suficiente para garantir a desalienação do homem e do mundo, sobretudo quando conserva uma visão optimista e progressista da história sem a quebra radical da continuidade do capitalismo: quer dizer que o sem-abrigo é uma realidade humana originária - ou melhor, uma realidade bio-antropológica - refractária aos movimentos da história, a menos que o sonho médico totalitário seja capaz de alterar a natureza humana por meios farmacológicos e genéticos. (:::)

No quadro da civilização europeia, o único povo que não criou uma metafísica foi o povo português. O facto de ser um povo sem metafísica (Hegel) é suficiente para classificar os portugueses como homens primitivos e arcaicos que, em vez de produzir a sua própria cultura superior, consomem a cultura alheia sem no entanto a compreender. (:::)

 J Francisco Saraiva de Sousa
Fev.2011
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