Não é a infância de Marx e Durkheim que
vou analisar, mas sim, o que eles afirmaram sobre a infância, o meu tema
preferido, o da criança.
Pouco se sabe do facto de Émile Durkheim,
e a sua equipa, terem usado o método do materialismo histórico na análise da
vida social. No entanto, no seu livro datado de 1888, publicado como obra
póstuma em 1928, LeSocialisme, Durkheim, faz uma
apreciação da obra de Marx, como escreve em Dezembro de 1897, na Revue Philosophique, no seu “Essais sur la conception
materialiste de l’histoire”.
Que Durkheim sabia de infância, é um dado
adquirido. Que Durkheim se baseou na obra de Marx, é desconhecido. Tepria
analisada no meu livro de 2007: O presente, essa grande mentira
social. A reciprocidade com mais-valia, Afrontamento, Porto.
No seu livro, também póstumo, de 1925, L’Education Morale, diz que …o filho de um filólogo
não herda um único vocábulo. O que a criança recebe dos seus pais, são
faculdades muito gerais (…) há uma considerável distância entre as qualidades naturais
da infância e a forma especial que devem adquirir para serem utilizadas durante
a vida…. Ao longo de mais de duzentas páginas, o
autor desenvolve a sua teoria sobre a educação moral e a pedagogia, salientando
que a existência de classes sociais, caracterizadas pela importante
desigualdade de quem tem e de quem apenas possui a sua capacidade de produção
como força de trabalho, torna impossível que contratos justos sejam negociados,
entre um possuidor e um não possuidor de meios de produção. O sistema de
estratificação social existente constrange uma troca igual de bens e serviços,
ofendendo assim as expectativas dos povos das sociedades industriais. A exploração impossibilita (…) uma igualdade necessária para exprimir a
vontade… (tradução da minha responsabilidade).
As ideias expressas na página 209 e
seguintes, delimitam a sua ideia original do desenvolvimento das capacidades da
criança. Para Durkheim, e seus analistas, estas parecem depender da classe
social.
No seu texto publicado em 1951, mas escrito
entre 1857 e 58 o Grundisse, comenta Marx,
apresentando um esquema para o estudo da economia política (tradução e
interpretação da minha responsabilidade) … um adulto não pode
tornar a ser criança excepto se age como um pequeno, o que até lhe parece impossível,
por causa das virtudes e formas estéticas de agir dos mais novos. Formas de
comportamento esperadas dos mais novos, que, por causa da época, da relação
social, denominada capital ou troca de bens, entre pessoas, são doentes.
Acrescentando Marx e comentando Durkheim: a relação que procura o lucro, retirando mais-valia do trabalho de
outrem, e especialmente de crianças, é uma forma doentia de ganhar ou de criar
bens. No entanto, na conjuntura analisada, o nascimento das relações entre
seres humanos orientadas pela obtenção de lucro e mais-valia, retirada dos não
possuidores de bens, as crianças devem passar a ser crianças precoces.
Crítica de Marx e comentário de Durkheim: na nossa sociedade, a infância não tem direito a brincar, nem a
desenvolver o seu imaginário, devido ao facto de começar a trabalhar desde
muito cedo na indústria para apoiar a sua família. Ideias desenvolvidas ao
longo de mais de cinquenta páginas no texto referido, designado também de Fundamentos para a crítica da Economia Política.
A partir destes textos, bem como das
ideias do trabalho infantil que não desenvolve intelectualidade na infância,
referidas por Marx no seu texto O Capital, Durkheim elabora a sua
teoria da pedagogia apresentada no texto de 1925, já citado, bem como em Leçons de Sociologie. Physique de Moeurs et du Droit de 1904 e 1908,
publicado em Istambul em 1934 e em França, no ano de 1950.
A análise materialista da História é usada
por Marcel Mauss no seu trabalho Ensaio sobre a
Dádiva, 1924-1925, publicado na revista anual L’Année Sociologique
II Edição, dizendo que Durkheim tem razão ao afirmar que o nosso Estado retira de nós as nossa posses e capacidades por meio das
leis e dos impostos: o trabalhador deu a sua vida e o seu trabalho à
colectividade por um lado, aos seus patrões por outro (…) não estão quites com
eles através do pagamento do salário… (página 187 da edição portuguesa de 1988).
Se apresento este conjunto de ideias é,
fundamentalmente, para expandirmos o nosso saber sobre a criança. É preciso
procurar entre os autores associados às actividades revolucionárias, como Marx,
que, de facto, foi a base teórica para outros agirem, nomeadamente Durkheim e
Mauss, mas que, normalmente, os investigadores e a academia, não associam.
Penso que a nossa mentalidade ideológica –
classificatória, desdenha Durkheim como analista social e pedagogo, vira as
costas à obra de Marx, pois não anda na moda da globalização, e desconhece o
socialismo de Marcel Mauss. Estes autores começaram a entender a realidade a
partir da análise da actividade e epistemologia da criança. Epistemologia que,
por sua causa, me permite, hoje, entender e exprimir aos meus discentes a
importância da contextualização através da classe social. Entender a criança, é
entender a obra dos autores citados que lutaram e morreram pelas suas ideias.
Tal o caso histórico de Durkheim, como o desconhecido da vida de Karl Marx, ou
a doença mental de Marcel Mauss provocada pelo terror que os seus descendentes,
intelectuais e consanguíneos, pudessem desaparecer na Segunda Guerra Mundial do
Século XX, como tinha acontecido na Primeira Grande Guerra, fugindo do real
refugiou-se numa calma paranóia.
Marx estuda o lucro obtido pelo trabalho
das crianças no início da revolução industrial, época em que ainda não havia
máquinas, acabando por serem os mais pequenos a força motriz do tear. Força,
entendida pelos donos do tear (proprietários do capital) como brincadeira
(efeito de baloiço), executada, pela pequenada, com movimentos repetitivos o
dia inteiro (desde as 7 de manhã até à chegada da noite), sem ganhar muito
dinheiro. Durkheim, entendia as crianças como pessoas que tinham que aprender o
saber dos seus adultos e organizou uma teoria pedagógica para transferir o
saber geracional. Marcel Mauss entendia as crianças como seres nativos, com
base nos dados fornecidos pelos seus estudantes que realizavam trabalho de
campo, seres pequenos, normalmente usados como um sacrifício de entrega à
divindade: não eram mortos, participavam numa cerimónia para que as divindades
tomassem conta deles e das suas vidas, ideia que Marx já apresentava na sua
análise da mais-valia e Durkheim nos seus textos sobre a divindade,
especialmente no de 1912: As estruturas elementares da vida
religiosa.
Fev.2011
Raul Iturra
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