sexta-feira, 8 de junho de 2012

Falar verdade sobre o comércio ético




Beja Santos

O apelo à responsabilidade, o querer conhecer mais sobre a proveniência dos bens de consumo e aspirar as escolhas que respeitem o ambiente e a justiça social são atitudes bastante recentes. É verdade que a política dos consumidores nasceu no dia em que o cidadão descobriu que lhe faltava informação sobre o mercado, que estava vulnerável à fralda, ao engano e à prepotência dos vendedores. O Estado e a sociedade mobilizaram-se para contrariar o desequilíbrio entre o conhecimento que o fabricante tem do seu produto e que pode explorar em função do desconhecimento do consumidor.

A partir da ascensão do individualismo, da consagração do digital e da sociedade em rede, uma fracção significativa de consumidores passou a interessar-se pelo consumo responsável, pelo consumo sustentável e pelas compras baseadas na ética e na qualidade social. Essa percentagem de cidadãos valoriza as tecnologias limpas, as críticas à globalização predatória e à ética do consumo, estando atentos à responsabilidade social, à agricultura biológica e às práticas sociais iníquas bem como às comunicações comerciais desleais e agressivas.

Como escrevi em “Consumidor Diligente, Cidadão Negligente” (Edições Sílabo, 2010), um dos paradoxos mais chocantes do nosso tempo assenta num consumo diligente que ilude os cuidados da cidadania. Vivemos preocupados em comprar barato e aliviamos a consciência com algumas preocupações sociais e ecológicas. Impõe-se reconciliar o cidadão com o consumidor. O ponto de partida é centrar o pensamento e acção numa visão do consumo como uma questão da cidadania: sem sustentabilidade, o consumo corre o risco de agravar todos os problemas ambientais; vivemos numa sociedade móvel, os fluxos informativos são cada vez mais rápidos e eficientes, como se acaba de ver nas movimentações no Egipto; a sustentabilidade é a conciliação do bem comum e da equidade, do tratamento apropriado dos recursos naturais e do crescimento económico com regras de regulação; a sustentabilidade é política, social e cultural; o consumo social e ambientalmente responsável pode e deve utilizar as tecnologias da sociedade em rede e o sistema político deve reger-se pelo primado do bem público, garantindo a segurança alimentar, a honestidade das comunicações comerciais e os meios formativos com vista a decidir com mais liberdade e critério como se pode ser um bom cidadão por via das práticas do consumo.

Este desafio é um processo complexo: queremos tudo e imediatamente, queremos os opostos como os 4×4 e a protecção da camada do ozono, somos defensores dos hipermercados e do comércio tradicional, somos contra as deslocalizações mas queremos os preços mais baixos em tudo… É este o nosso tempo da moral do indivíduo pragmático e oportunista.

Identificar as empresas que respeitam o biológico, os modos de produção ou de fabrico ambientalmente menos agressivos e as empresas cumpridoras dos direitos humanos é hoje uma questão essencial para garantir a confiança do consumidor na sua participação em todos os vectores da sustentabilidade: os rótulos devem ser inequivocamente ecológicos e sociais; o que se diz ser “natural”, “melhor para o ambiente” ou “respeitador dos direitos dos trabalhadores” precisa de ser veraz e comprovável a todo o instante, todas as alegações ambientais e éticas não podem confundir o consumidor, há que encontrar regras comuns para premiar as empresas responsáveis e punir as empresas prevaricadoras. Só se pode construir a confiança do consumidor enquadrando as grandes questões da informação do que se diz na rotulagem e na publicidade: quais os atributos verificáveis das alegações éticas (impacte ambiental, práticas laborais, bem-estar animal, etc.); definição de quem verifica os conteúdos das alegações éticas. Enquadramento das diferentes funções e responsabilidades dos diferentes interessados pelas alegações.

Só o rigor destes procedimentos é que desenvolverá um aumento de preocupações dos consumidores com os bens e serviços social e ambientalmente responsáveis e as práticas do comércio ético. Há hoje em todo o mundo um conjunto de organizações envolvidas na procura de soluções para potenciar a confiança do consumidor: a Consumers International, a Organização Internacional de Rotulagem do Comércio Justo, a Organização Internacional de Normalização e a própria Organização Comercial do Comércio Justo, entre outras. Procura-se uma metodologia para a implicação das partes interessadas e que permita aos consumidores distinguir os diferentes atributos sociais, económicos e ambientais e a consagração de processos de verificação e certificação. No momento presente, já obteve consenso sobre o que deve ser a avaliação da fiabilidade das alegações éticas, estão identificados sete factores importantes e que são: a veracidade da alegação; as possibilidades de verificar a alegação; o poder definir o que são imagens ou palavras éticas; qual o nível de desempenho do que consta na alegação; a relevância do impacto; a clareza ou o significado da alegação.  

Como é evidente, impõe-se à escala mundial encontrar regras que dêem confiança ao consumidor quando ele decide comprar bens e serviços ditos amigos do ambiente ou processados segundo normas éticas. Quanto maior for a confiança do consumidor maior estímulo haverá no mercado para métodos de produção sustentáveis e de normas éticas. Precisamos urgentemente dessas normas que dêem possibilidade em comparar todos os dados referentes aos impactos positivos das alegações éticas. Não é fácil, e é mesmo dispendioso. Há muitas investigações para fazer e o momento de recessão que se vive não entusiasma muito as empresas e os consumidores. Um bom ponto de partida seria criar um banco de dados com informação que explique aos consumidores as alegações. Postos na web, deviam propiciar acesso público aos termos, a relatórios de quem os verificou e revelar qual a sua base de sustentação, havendo vantagem em que os peritos dessem conselhos sobre os modos como os consumidores podem identificar as alegações verdadeiramente éticas. Estamos a precisar de experiências que catapultem o comércio ético e o consumo sustentável para patamares superiores do chamado consumo de massas. Precisa-se de imaginação para consumir de um modo diferente, com mais equidade e esperança no bem-estar das gerações futuras.

Fev.2011

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