segunda-feira, 18 de março de 2013

Lembranças de mãe(I)



 
Raul Iturra

Nós, adultos, esquecemos que a mãe é pessoa e vemo-la como processo. Além do carinho e emotividade que unem uma criança à sua progenitora, existem, de forma igualmente importante, várias fases no percurso da sua vida, sendo um o caminho de mãe. A primeira, que de todo não pode ser escolhida, é nascer mulher: até aos nossos dias, não se inventou um ser que a substitua na estrutura hormonal e na configuração biológica necessárias para dar vida a um bebé e amá-lo. Muito menos, a invenção da leveza do ser que caracteriza a relação mãe/criança. Não me esqueço da frase de um amigo meu ao confidenciar-me a sua tristeza pelo facto da mãe ter ficado inválida:

Não sei o que fazer… apenas consigo chorar! A minha resposta foi rápida e directa: O que o meu amigo chora não é a doença da sua mãe, o que chora é a falta do mimo embelezado dos carinhos dela. Doravante, será o contrário: é a mãe que vai precisar dos cuidados do filho. Ele, incapaz de devolver essa elegância de mimos que na sua infância, a mãe lhe incutira, optou por nunca mais a visitar. É esta arte da fuga que os (as) filhos (as) adultos, configuram na relação ascendente/descendente, face a pais já anciães, no seio de uma sociedade que ensina (embora nem sempre se aprenda) a honrar pai e mãe. O hábito de contar, desabafar ou ser aconselhado, fica inserido na mente do adulto maduro, como se ainda fosse um catraio. Tudo se torna mais difícil, se a mãe passa a ser uma pessoa lenta, esquecida, voltando, ela própria, à fase de bebé, ao regredir.

Mas, se a mãe é um processo, é preciso sairmos da regressão para entrarmos na História. A rapariga casa com paixão (ou opta por uma união de facto, hoje em dia é igual). Dentro dessa paixão o bebé é estruturado, até se converter num ser humano autónomo necessitanto da mãe para saber o que e como fazer com os seus próprios filho. Embora saibamos que existem mães que ignoram os filhos, não são as que, de momento, me interessam, eu diria, aliás, que o que me interessa é exactamente o oposto. A mãe, leal como sempre é com a sua criança, ouve, vê, sente e proporciona-lhe ideias. As lembranças de mãe passam por factos que a criança nunca entendeu e, como adulto, continua a ignorar, por isso não partilha com o seu ascendente. No Diário de Vida de uma Senhora, que me foi ofertado num período em que estava em trabalho de campo, li este pensamento: como devo fazer para a minha pequenada não ouvir a intimidade que tenho com o pai, os meus suspiros, os meus naturais gritos de prazer, a exibição da minha nudez que desejo mostrar ao meu homem para o manter vivo? E se o meu pequeno entra no quarto…. ? É este problema que a maior parte dos adultos têm. Especialmente as mães. O corpo da mãe tem várias funções. A primeira, é ser ela própria e considerar qual a forma de manter a sedução para o seu homem. Uma mãe não é apenas uma entidade que amamentará a descendência: é também cônjuge ou parte integral de uma relação que permite que o seu estatuto maternal seja um processo de crescimento. Ocultar o corpo que deve também mostrar, é um dos dilemas da mulher. Dilema não contraditório, mas muito delicado. Diz esse Diário de Vida: estávamos a namoriscar a noite passada (sempre à noite, não sei porquê), entrou no quarto, de forma inesperada, o nosso filho mais velho; foi preciso esperar, dissimular, trocar lugares na cama… a correr. No entanto, penso que ele intuiu uma «aldrabice», ao comentar no dia seguinte se a mãe estava a brincar à Julia Roberts em Notting Hill, ou à Andie MacDowell em Quatro Casamentos e um Funeral, quando elas mostravam os seios, tal como eu ao meu homem?

(continua)

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