Raul Iturra
Nós, adultos,
esquecemos que a mãe é pessoa e vemo-la como processo. Além do carinho e
emotividade que unem uma criança à sua progenitora, existem, de forma
igualmente importante, várias fases no percurso da sua vida, sendo um o caminho
de mãe. A primeira, que de todo não pode ser escolhida, é nascer mulher: até
aos nossos dias, não se inventou um ser que a substitua na estrutura hormonal e
na configuração biológica necessárias para dar vida a um bebé e amá-lo. Muito
menos, a invenção da leveza do ser que caracteriza a relação mãe/criança. Não
me esqueço da frase de um amigo meu ao confidenciar-me a sua tristeza pelo
facto da mãe ter ficado inválida:
Não sei o que fazer… apenas consigo
chorar! A minha resposta foi rápida e directa: O que o meu amigo chora não é a
doença da sua mãe, o que chora é a falta do mimo embelezado dos carinhos dela.
Doravante, será o contrário: é a mãe que vai precisar dos cuidados do filho.
Ele, incapaz de devolver essa elegância de mimos que na sua infância, a mãe lhe
incutira, optou por nunca mais a visitar. É esta arte da fuga que os (as) filhos
(as) adultos, configuram na relação ascendente/descendente, face a pais já anciães,
no seio de uma sociedade que ensina (embora nem sempre se aprenda) a honrar pai
e mãe. O hábito de contar, desabafar ou ser aconselhado, fica inserido na mente
do adulto maduro, como se ainda fosse um catraio. Tudo se torna mais difícil,
se a mãe passa a ser uma pessoa lenta, esquecida, voltando, ela própria, à fase
de bebé, ao regredir.
Mas, se a mãe é
um processo, é preciso sairmos da regressão para entrarmos na História. A
rapariga casa com paixão (ou opta por uma união de facto, hoje em dia é igual).
Dentro dessa paixão o bebé é estruturado, até se converter num ser humano
autónomo necessitanto da mãe para saber o que e como fazer com os seus próprios
filho. Embora saibamos que existem mães que ignoram os filhos, não são as que,
de momento, me interessam, eu diria, aliás, que o que me interessa é
exactamente o oposto. A mãe, leal como sempre é com a sua criança, ouve, vê,
sente e proporciona-lhe ideias. As lembranças de mãe passam por factos que a
criança nunca entendeu e, como adulto, continua a ignorar, por isso não
partilha com o seu ascendente. No Diário de Vida de uma Senhora, que me
foi ofertado num período em que estava em trabalho de campo, li este
pensamento: como devo fazer para a minha pequenada não ouvir a intimidade
que tenho com o pai, os meus suspiros, os meus naturais gritos de prazer, a
exibição da minha nudez que desejo mostrar ao meu homem para o manter vivo? E
se o meu pequeno entra no quarto…. ? É este problema que a maior parte dos
adultos têm. Especialmente as mães. O corpo da mãe tem várias funções. A
primeira, é ser ela própria e considerar qual a forma de manter a sedução para
o seu homem. Uma mãe não é apenas uma entidade que amamentará a descendência: é
também cônjuge ou parte integral de uma relação que permite que o seu estatuto
maternal seja um processo de crescimento. Ocultar o corpo que deve também
mostrar, é um dos dilemas da mulher. Dilema não contraditório, mas muito
delicado. Diz esse Diário de Vida: estávamos a namoriscar a noite passada
(sempre à noite, não sei porquê), entrou no quarto, de forma inesperada, o
nosso filho mais velho; foi preciso esperar, dissimular, trocar lugares na
cama… a correr. No entanto, penso que ele intuiu uma «aldrabice», ao comentar
no dia seguinte se a mãe estava a brincar à Julia Roberts em Notting Hill, ou à
Andie MacDowell em Quatro Casamentos e um Funeral, quando elas mostravam os
seios, tal como eu ao meu homem?
(continua)
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