segunda-feira, 17 de maio de 2010

Contra a humilhação que nos estão preparando

Luís de Camões, Portuguese's greatest poet..Image via Wikipedia


António Campos

«Um espectro paira na Europa, é o espectro do comunismo». Começa assim o Manifesto de Marx e de Engels. Desta vez, porém, o espectro é outro: é o da crise geral do capitalismo, a qual, longe de ter acabado ou, sequer, amainado, demonstra uma agressividade arrepiante. A Europa está a sentir, porventura de forma mais atroz, as parcelas dessa crise. O caso grego é exemplar porque se vai continuar em outros países, deixando um rasto de pavor, de susto e de miséria.
Esta crise, aliás, demonstrou, uma vez mais, que a Europa social e solidária é um mito e uma aldrabice que alguns tentam manter através de remendos. As generosas ideias daqueles que pensaram num continente forte, coeso e unido, goraram-se com fragor. E acontece um porém: os actuais dirigentes europeus não possuem estatura de estadistas nem estirpe de líderes. A luta de poder inclina-se, cada vez mais, para a Alemanha, e esvai-se o conceito de orientação tripartida, com a França e a Itália nas outras pontas.

A senhora Merkel não está propriamente hipotecada à inteligência, e tanto Sarkozy como Berlusconi não são de tomar a sério, embora tenham desgraçado os seus países e uma certa ideia de Europa. A birra da dirigente alemã quanto a apoiar a Grécia é significativa do mal-estar que se oculta em discursos muito inflamados e vazios de conteúdo. Sejamos sérios: a União Europeia é uma ruína, e as ameaças externas que sobre os seus restos pairam não são despiciendos. Nem os Estados Unidos e muito menos as grandes multinacionais alguma vez estiveram interessados na existência de um bloco económico e financeiro forte e representativo.

As agências de informação e de espionagem há muito que actuam para o fim do projecto. E a crise financeira norte-americana que, por arrasto, afectou algumas economias mundiais, não todas, não vê com bons olhos o reerguer europeu.

A birra de Merkel só o é porque outros interesses a apoiam e incitam. Ao bater o pé à ajuda à Grécia ela adverte da impossibilidade de acorrer a outras crises, ao mesmo tempo que vai avisando quem é que manda por aqui. E o pobre do Durão Barroso, que teria, acaso possuísse o porte de político sólido, a oportunidade de mostrar carácter e decisão, escoa-se em discursos vagos e tristes.

Portugal está na decorrência desta crise e, talvez, no olho da tempestade. A gravidade da situação tem-nos sido dissimulada, tanto pelo primeiro-ministro como pelo ministro das Finanças, embora fiscalistas e economistas da importância de Medina Carreira, Silva Lopes, Hernâni Lopes ou Octávio Teixeira tenham vindo a público dizer-nos que o rei vai nu.

Uma situação desta natureza e gravidade exige um lato entendimento entre todos os partidos, todos sem excepção. O encontro entre Passos Coelho e Sócrates pode ter utilidade prática, mas é, notoriamente, escasso, se forem excluídos das conversações o PCP, o Bloco de Esquerda e o CDS. Mesmo assim, penso que o Governo deveria alargar o leque de opiniões, convidando para um debate mais amplo não apenas economistas mas outros sábios dos diferentes sectores do conhecimento, inclusive antigos Presidentes da República.

Muito se tem falado, com grave assunção ou displicente verbo, das ameaças à democracia. Elas estão em toda a parte. Sabe-se que esta crise violenta do capitalismo não se conclui mantendo tudo na mesma. E é essa perspectiva de alteração e de mudança do sistema que preocupa quem dele vive: as transnacionais, cujo poder é muito superior ao dos Governos, e não estão dispostas a ceder, sem luta feroz, os seus privilégios, que aumentaram exponencialmente, com a globalização e a implosão do comunismo.

Portugal é outra experiência, como o foi no 25 de Abril e no que se seguiu ao processo revolucionário. Um laboratório de ensaios implacáveis, exactamente por ser o elo mais fraco. Medina Carreira, há meses, esclareceu, com a autoridade que se lhe reconhece e a coragem exemplar que demonstra, a natureza do que se preparava para o nosso país. Acrescido, obviamente, a torpe incompetência e da sobranceria sem par de quem tem dirigido Portugal nos últimos tempos. Foi taxado de pessimista. Ele só dizia a verdade que se nos ocultava. O resultado está à vista e tudo indica que as coisas vão ser muito piores. Sobretudo para as classes mais desfavorecidas.

Numa época e num País onde dominam os valores do consumismo, e onde “gestores” auferem vencimentos escandalosos e bónus obscenos, que respostas é possível dar, com a urgência e a proficiência necessárias? Não se trata, aqui, de manter ou de sustentar o Governo de Sócrates. Trata-se, isso sim, de recusar a humilhação que nos estão preparando. Há que tocar a reunir...

Baptista-Bastos, adaptado



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