sexta-feira, 28 de maio de 2010

Expressões dos racismos em Portugal – alguns aspectos 1)

Anti-Racism Kensington 33Image by thivierr via Flickr


António Campos

Vários indicadores parecem apontar no sentido de um crescendo da visibilidade da discriminação das minorias «étnicas» e «raciais» na Europa . Quer nos países tradicionalmente receptores de imigrantes, como sejam a França, a Alemanha, a Holanda ou a Inglaterra, quer naqueles que recentemente a eles se juntaram, como a Itália, a Espanha ou Portugal, os comportamentos e acções discriminatórios, sejam individuais, colectivos ou mesmo institucionais, têm vindo a ganhar visibilidade.

Segundo o Eurobarómetro, nº47.1, de 1997, 70% dos europeus reconhecem que os imigrantes legalizados devem ter os mesmos direitos cívicos que os nacionais. Esta abertura à igualdade de direitos é, contudo, acompanhada por tomadas de posição contraditórias. De facto, segundo o estudo citado, apenas 55% dos europeus consideram que os imigrantes legalizados, de países não-europeus, devem ter o direito a ter consigo a sua família, 59% consideram que as minorias (de outra raça, religião ou cultura) abusam do sistema de segurança social, 63% consideram que contribuem para aumentar o desemprego, e 45% que são uma das causas de insegurança. Portugal (76%), Irlanda (77%), Bélgica (76%), Áustria (75%), Alemanha (73%), Luxemburgo (72%), e o Reino-Unido (70%) são os países onde um maior número de pessoas concordam com a seguinte proposição: «Todos os imigrantes ilegais, sem excepção, devem ser enviados para os seus países de origem.»

O nosso país não constitui, assim, uma excepção no cenário das atitudes racistas. Por exemplo, segundo o SOS racismo, durante o ano de 1995 registaram-se, em Portugal, trinta incidentes de carácter racista, com cinco mortos e mais de cinquenta feridos. Os relatórios posteriores, elaborados por esta mesma organização, continuam a sublinhar um número considerável de incidentes racistas. Em 1996 e 1997, a comunidade cigana, que sempre foi alvo de discriminação, ora de forma mais aberta ora de forma socialmente menos evidente, tomou-se alvo de agressão em várias localidades, e objecto de questionamento social.

Como é sabido, em Portugal a primeira vaga de imigrantes vindos das actuais ex-colónias verificou-se a partir de meados dos anos 60, recebendo um novo incremento no período que imediatamente precedeu e seguiu a independência desses países, sendo muitos destes cidadãos portugueses. Nos anos seguintes, a imigração proveniente das ex-colónias, ou países africanos de língua oficial Portuguesa, e sobretudo de Cabo Verde, apresenta valores expressivos, tendo entretanto sofrido, muito provavelmente, algum decréscimo devido à legislação adoptada a partir de 1992.

Mais recentemente, Portugal tomou-se país de destino de brasileiros, depois de uma história caracterizada pela migração em sentido inverso. Refira-se ainda a presença de comunidades indianas provenientes das ex-colónias, nomeadamente de Moçambique; e a presença de algumas «hiperminorias» que, exactamente, dada a sua insignificância numérica, adquiriram visibilidade nos meios urbanos.

As categorias minoritárias alvo de discriminação, sobretudo «negros» e ciganos, têm sido associadas, pelo menos pelos órgãos de comunicação social, a problemas como a criminalidade, o desemprego, o tráfico de droga, a economia paralela, o sentimento de insegurança, novos custos sociais, etc. Para a justificação pública da nova legislação sobre imigração introduzida em 1992 e 1993 (Decreto-Lei n.O 212/92, de 12 de Outubro, e Decreto-Lei nº 59/93, de 3 de Março), bem como para a justificação dos acordos de Schengen e para a justificação da nova lei sobre o asilo político aprovada em 19937, foram igualmente apresentadas associações daquele tipo.

Contudo, não dispomos de indicadores seguros sobre as modalidades, o significado e a extensão da discriminação por parte dos portugueses «brancos» face a portugueses ou estrangeiros «não brancos», nem se conhecem as configurações dos factores psicológicos, sociológicos e psicossociológicos que sustentam e alimentam o racismo em Portugal. De facto, a investigação no nosso país não erigiu como problema, a estudar de forma sistemática e teoricamente fundada, o racismo e a xenofobia.

O racismo pode ser estudado a diferentes níveis, como por exemplo: nas suas expressões institucionais; a nível dos comportamentos abertos de discriminação e agressão física ou psicológica; na sua dimensão histórica, nomeadamente no que respeita à compreensão do processo histórico de construção e atribuição de sentido à categorização «branco/negro»; na sua dimensão cultural e ideológica, ou seja, no plano das representações sociais, utilizando aqui este conceito no seu significado mais abrangente. É sobre esta última dimensão de análise do racismo que incide este estudo.

Neste contexto, o estudo propõe-se descrever e enquadrar teoricamente as atitudes dos portugueses «brancos» face a uma categoria minoritária, vista como distinta da maioria da população, tendo maioritariamente um estatuto social baixo, e que se tomou socialmente visível: os «negros» em Portugal. A visibilidade social desta categoria, minoritária, dominada, e percebida como distinta, poderá erigi-la em categoria problemática e, consequentemente, suscitar reacções emocionais, cognitivas e comportamentais negativas. A análise dessas reacções e dos seus correlatos psicossociológicos constitui o objecto de estudo deste trabalho.


In, Expressões dos racismos em Portugal, Jorge Vala, Rodrigo Brito e Diniz Lopes (adaptado)


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