quarta-feira, 5 de maio de 2010

A tragédia grega

A ruined temple, GreeceImage by National Media Museum via Flickr


António Campos

A crise na Grécia não é uma simples emergência passageira. É a prova de que a economia mundial permanecerá uma longa temporada, talvez mais de dez anos, submergida num letargo profundo. Transporta nas suas entranhas o anúncio de eventos nefastos. Em comparação com o terramoto grego, a queda do Lehman Brothers em 2008 poderia parecer um jogo de crianças. Não restam dúvidas, a ideia de que já entrámos numa fase de recuperação é brutalmente desmentida com o colapso da economia grega.

É agora bem sabido que para ingressar na zona euro em 2001, o governo grego ocultou a real magnitude do deficit público e de endividamento, para cumprir com os requisitos do Tratado de Maastricht (deficit fiscal e endividamento inferiores a 3 e 60 por cento do PIB, respectivamente). Em 2004, o Eurostat descobriu os truques contabilísticos e nesse ano o deficit foi recalculado, passando de 1,7 para 4,6 por cento. Em 2009 esse deficit atingiu 12,7 por cento do PIB. Por sua vez, o Goldman Sachs e o gigante em bancarrota AIG ajudaram a disfarçar o montante da dívida através de operações pouco transparentes nos mercados de derivados.

Quando ingressou na esfera do euro, a Grécia fê-lo com um tipo de câmbio sobrevalorizado, o que deu aos consumidores uma ilusão de prosperidade e o acesso a bens e serviços que antes estavam fora do seu alcance. A deterioração das contas externas gregas não demorou, e hoje o deficit comercial atinge 12,8 por cento do PIB.

Além disso, com as menores taxas de juros, tanto o sector privado como o governo aumentaram os seus níveis de endividamento. A dívida externa da Grécia ascende hoje a 260 mil milhões de euros e os vencimentos a curto prazo constituem uma séria ameaça: 30 mmde euros em Abril e Março (64 mmde euros ao longo do ano). O país não tem com que enfrentar esses vencimentos e a ameaça de uma moratória é real. As consequências para a Europa seriam graves.

A crise mundial apanhou a Grécia numa má conjuntura. A sua balança de pagamentos apresenta grande debilidade e as suas finanças públicas estão doentes.

Normalmente, um país nessas condições poderia recorrer a uma desvalorização. Mas por pertencer à esfera do euro, Atenas não controla a sua política cambial. Tanto a Grécia como a União Europeia enfrentam um perigoso dilema: uma saída grega da zona euro implica graves danos para o euro, mas permanecer nela aplicando um programa de austeridade implica uma recessão prolongada e difícil para a Grécia.

Os líderes da União Europeia insistiram em que não deixarão cair a economia grega, mas há muitas reticências. Na Holanda foi votada uma lei que proíbe usar recursos fiscais holandeses num eventual resgate dos gregos. Na Alemanha o sentimento é parecido. De qualquer forma, se se conseguir montar um pacote de salvamento para Atenas, o mais seguro é que virá acompanhado de terríveis condições de austeridade. Qualquer um que recorde os pacotes de austeridade pro-cíclicos impostos pelo FMI nas últimas décadas sabe muito bem o que isso significa.

Poder-se-ia pensar que se se mantivesse o deficit constante, o crescimento da economia grega poderia levar a cumprir a meta macroeconómica da sua redução. Mas no contexto de uma recessão mundial isso não sucederá. Parece que o sacrifício que a UE exigirá para ir ao resgate será descomunal: cortes fiscais a todo o tipo de prestações e na despesa social, além de uma avalanche de aumentos de impostos. Essas medidas de austeridade aprofundarão a recessão e reduzirão ainda mais a recolha fiscal, alongando a duração da emergência. Em todo este processo, o serviço da dívida passará por um colossal desvio de recursos da economia real para a esfera financeira.

Paradoxalmente, os embustes dos governos gregos poderiam apontar para uma porta de saída: o corte da despesa militar. Em 1991, quando as autoridades gregas mentiram sobre a magnitude do deficit público, parte do engano versou precisamente sobre a aquisição de elevadíssimos aviões militares. Em 2005, a despesa militar nesse país atingiu 4,3 por cento do PIB (dados de SIPRI). É evidente que esse deveria ser o primeiro filão para um programa de saneamento das finanças públicas. Na verdade, o montante preciso da despesa militar poderia ser maior. De qualquer forma, mesmo o corte na despesa militar não é suficiente para evitar o ajuste brutal que se imporá sobre o povo grego.

Como numa tragédia clássica, a Grécia tem frente a si opções que oscilam entre o terrível e o desastroso. Se aceitar um resgate condicional, sacrificar-se-á no altar da austeridade e sofrerá uma longa e brutal recessão. Se declarar a moratória, ficará isolada e os efeitos sobre os bancos da União Europeia serão desastrosos. O exílio poderia ser outra opção: a Grécia poderia abandonar o euro, o que se repercutiria negativamente sobre a credibilidade da união monetária e sobre a economia mundial. No género da tragédia, todos os caminhos conduzem à desgraça.

Alejandro Nadal



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