quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A justiça poética de Dennis Brutus

Sign in Durban that states the beach is for wh...Image via Wikipedia
António Campos


Dennis Brutus partiu pedras ao lado de Nelson Mandela quando estavam encarcerados juntos na tristemente célebre prisão da ilha Robben. O seu delito, semelhante ao de Mandela, foi lutar contra a injustiça do racismo, desafiar o regime do apartheid na África do Sul. As armas de Brutus foram as suas palavras: elevadas, fulgurantes e poéticas. Foi banido, foi censurado, foi alvejado. Mas o compromisso e o activismo deste poeta, a sua defesa dos pobres, nunca vacilaram. Brutus morreu durante o sono no princípio do dia 26 de Dezembro, na Cidade do Cabo, aos 85 anos de idade, mas viveu com os olhos bem abertos. A sua vida sintetiza o século XX, e, inclusive até aos seus últimos dias, inspirou, guiou e mobilizou as pessoas na luta pela justiça no século XXI.

Curiosamente, para este delicado poeta e intelectual, foi o rugby que, ainda jovem, lhe revelou a injustiça racial na sua pátria. Brutus recordava-se de ser referido sarcasticamente por um homem branco como um «futuro Springbok».

Os Springboks eram a equipa nacional de rugby, e Brutus sabia que quem não era branco nunca poderia entrar na equipa. «Isso ficou-me gravado até anos mais tarde, quando comecei a questionar a barreira no seu conjunto – a questionar por que é que os negros não podiam entrar na equipa». Este tema aparece no novo filme de Clint Eastwood, Invictus. O Presidente Mandela, representado por Morgan Freeman, apoia os Springboks durante a Taça Mundial de 1995, reconhecendo que até então os negros sempre souberam quem apoiar: qualquer equipa que jogasse contra os Springboks.

No final da década de 1950, Brutus escrevia uma crónica de desportos com o pseudónimo “A. De Bruin”, que em afrikaans significa “um negro”. Brutus escreveu: «A crónica […] era aparentemente sobre resultados desportivos, mas também sobre a política racial e o desporto». Foi banido, uma prática do apartheid que impunha restrições de movimento, de direito de reunião e de publicação, entre outras. Em 1963, ao tentar fugir à custódia policial, foi alvejado. Quase morreu numa rua de Joanesburgo enquanto esperava por uma ambulância especial para negros.

Brutus passou 18 meses na prisão, na mesma secção da ilha Robben que Nelson Mandela, onde escreveu a sua primeira colecção de poemas, Sirens, Knuckles, Boots. O seu poema “Sharpeville” descrevia o massacre de 21 de Março de 1960 no qual a polícia sul-africana abriu fogo e matou 69 civis, um evento que o radicalizou.

«Recordem Sharpeville no dia das balas pelas costas porque encarnou a opressão e a natureza da sociedade mais claramente que nenhuma outra coisa; foi o acontecimento típico».

Depois da prisão, Brutus iniciou a sua vida de refugiado político. Formou o Comité Olímpico Não Racial Sul-africano para incluir os desportos numa campanha mundial de grande envergadura contra o apartheid. Conseguiu que a África do Sul fosse proibida de participar nos Jogos Olímpicos de 1970. Brutus mudou-se para os Estados Unidos, onde permaneceu como professor universitário e líder contra o apartheid, apesar dos esforços do governo de Reagan para impedir que mantivesse a sua condição de refugiado e deportá-lo.

Depois da queda do apartheid e a ascensão ao poder do Congresso Nacional Africano, Brutus manteve-se fiel aos seus princípios. Disse-me: «Quando se privatiza a água, quando se privatiza a electricidade, quando as pessoas são despejadas das suas barracas porque não conseguem pagar o aluguer das barracas, a situação piora. […] O governo sul-africano, liderado pelo ANC […] decidiu adoptar uma solução corporativa».

Continuou: «Saímos do apartheid para um apartheid global. Estamos agora num mundo onde, de facto, a riqueza está concentrada nas mãos de uns quantos; a maioria das pessoas ainda é pobre […] uma sociedade que está desenhada para proteger os ricos e as corporações e que, de facto, está a prejudicar os pobres, aumentando o seu fardo, isto é o inverso do que pensávamos que iria suceder sob um governo do ANC».

Muitos jovens activistas conhecem Dennis Brutus, não pelo seu trabalho contra o apartheid, mas pelo seu activismo a favor da justiça global, sempre presente nas grandes mobilizações de massas contra a Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional – e, mais recentemente, embora não presente, dando inspiração aos manifestantes que protestavam na cimeira climática da ONU em Copenhaga. No seu 85º aniversário, dias antes de começarem as negociações sobre o clima, disse: «Estamos em graves dificuldades por todo o planeta. Vamos dizer ao mundo: há demasiados lucros, demasiada ganância, demasiado sofrimento dos pobres. […] Os habitantes do planeta devem agir».

Denis Moynihan contribuiu com pesquisa para este artigo. Revisto a partir da versão publicada em Esquerda.

Amy Goodman, Junho.23.2010


Enhanced by Zemanta

Sem comentários:

Enviar um comentário