segunda-feira, 13 de setembro de 2010

As políticas sociais de velhice

Sonia, you're gonna have to stop singing so lo...Image by Ed Yourdon via Flickr

António Campos

Por políticas de velhice entende-se o conjunto das intervenções públicas, ou  acções colectivas, que estruturam, de forma explícita ou implícita, as relações entre a velhice e a sociedade. Uma análise aprofundada das políticas permite equacionar em que circunstâncias e segundo que processos o problema da velhice se inscreveu nas preocupações dos políticos e é efectivamente assumida pelo Estado. (Este é, neste caso apenas, uma das instâncias institucionais, provavelmente a principal, a quem é socialmente confiado o encargo dos idosos). Que grupos sociais e que instituições se movimentaram, baseados em que princípios, que políticas se constituíram em torno deste problema? O que ou quem representam as orientações das políticas sociais? Apenas a capacidade de o Estado agir de forma autónoma ou respostas a jogos de força e tensões sociais? Como se estabelecem as interacções entre o Estado e a sociedade?

Anne-Marie Guillemard estudou este processo na sociedade francesa. Procurou evidenciar o sentido oculto das orientações públicas das políticas sociais de velhice através da reconstituição das relações sociais subjacentes às políticas, dos usos sociais que delas se foram fazendo e dos seus significados em geral. Deste procedimento a autora identificou duas grandes tendências que classificou em duas concepções de velhice: uma velhice invisível e uma velhice identificada.

A velhice invisível, sem forma definida, com contornos contrastados, característica de uma sociedade em que a condição de velho era função do património familiar é típica do século XIX e início do século xx. E invisível na medida em que a solidariedade para com os idosos é praticamente uma solidariedade familiar, privada, remetida para o interior do espaço doméstico. Na ausência desta, a velhice desprotegida era atirada para o espaço público, identificada com a mendicidade e recebia então algum consolo das instituições de caridade.

Quando socialmente se começou a constituir a ideia de uma etapa da vida que é comummente vivida e onde a velhice está associada a uma reforma, a autora designou-a por velhice identificada. Ao contrário da anterior, aqui encontramos uma definição homogénea de velhice. Com os sistemas de reforma e a sua gradual generalização a segurança na velhice deixa de ser um atributo da propriedade, isto é, a velhice segura era a que assentava no conforto material do proprietário segurança essa que é gradualmente mediatizada pelo acesso ao trabalho remunerado e à posição social.

Segundo ainda Anne-Marie Guillemard, as intervenções do Estado nas relações entre a velhice e a sociedade podem ser reconstituídas, no caso da sociedade francesa, a partir de três eixos políticos considerados essenciais na estruturação do debate sobre a gestão da velhice. A ideia de base é que o modo de gestão pública da velhice reflecte, em cada momento, a forma de articulação entre a ordem do Estado e a ordem das relações sociais.

O primeiro eixo de intervenções desenrolou-se em torno da velhice como direito social à reforma. As várias decisões políticas que deram origem à formação da Segurança Social, do desenvolvimento dos regimes complementares e as alterações sucessivas aos regimes gerais, são o resultado de conflitos e contradições levados a cabo pelos vários intervenientes dos processos ao longo de um século.

O segundo processa-se em tomo da ideia de velhice, entendida como modo de vida específico, e os conflitos desenvolvem-se entre os vários intervenientes sobre as formas possíveis de alojamento e os modos de cuidar dos idosos. Neste caso os protagonistas não são as instituições sindicais e o patronato industrial, como no caso anterior, onde o Estado tem um pouco o papel de árbitro, mas entre a administração pública e a sociedade civil. O resultado, ou seja, as políticas de gestão da velhice reflectem o estado das relações de forças, a capacidade de autonomia do Estado na tomada das decisões e o nível de penetração do Estado por elementos dos grupos sociais em confronto.

O terceiro e último enfoque recai sobre o nível e o modo de participação  
dos idosos no modo de produção. No essencial podemos afirmar que de modo algum a acção do Estado pode ser entendida como um processo monolítico, mas antes como pluralista e necessitando sempre do recurso, para o seu entendimento, a uma causalidade múltipla. No que respeita às políticas de velhice na sociedade francesa, as intervenções do Estado reflectem mais os interesses do trabalho ou mais os interesses dos detentores do capital económico ou ainda a capacidade de 
acção autónoma de um organismo e da sua tecnocracia, consoante os períodos e as conjunturas político-sociais…


Para esta autora há como que uma alteração no significado de velhice provocado, em primeiro lugar, por mecanismos económicos de resolução do problema do desemprego e que atiram precocemente para a reforma activos com o estatuto de velho. Em segundo lugar, por uma desestabilização no consenso em torno das idades e dos tempos sociais, base da noção de reforma e que têm sofrido grandes alterações, quer com os avanços demográficos (que põem em dúvida a pertinência da divisão das idades e que fazem de um sexagenário de hoje diferente do de há umas décadas atrás), quer com a maior difusão das pré-reformas.

Face a uma certa imprecisão que parece existir no significado social de velhice e ao comprometimento das políticas sociais de protecção no âmbito da crise do Estado-Providência, têm sido desencadeados debates e discussões de ideias de modo a encontrar novas formas de articulação entre sociedade e Estado ou entre ela e outras instâncias susceptíveis de criarem novas formas de acção e resolução dos problemas(…).

Ana Alexandre Fernandes, Velhice e Sociedade (adaptado)
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