segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A proliferação das associações de 12 Passos

12_steps_of_aa-080131aImage by beachblogger42 via Flickr


António Campos

O surgimento dos Alcoólicos Anónimos no início do século XX e a sua rápida expansão como expoente máximo como associação de auto-ajuda estão relacionados com factores económicos, sociais e culturais que não são exclusivos do alcoolismo. Neste processo estão subjacentes as ideias de bem-estar individual, autocontrolo e procura de conhecimento que a pessoa tem de si mesma numa sociedade em profunda transformação desde os finais do século XIX, para a qual contribuiu o desenvolvimento económico, tecnológico e burocrático, assim como o surgimento de grandes metrópoles (Wirth 1938). Estas reconfigurações, não sendo exclusivas dos Estados Unidos da América, ganham neste país uma dimensão fulcral. Num contexto marcado por uma ideologia individualista e a massificação da vida urbana, a preocupação com a saúde física e mental assume uma importância crescente no quotidiano dos indivíduos, quer na procura de identidade pessoal, quer na participação em redes de sociabilidade e solidariedade. Segundo Lears (1983), esta preocupação está intimamente ligada com o declínio da importância da religião entendida como forma de «salvação» do indivíduo, para a passagem ao uso da terapia na procura de realização pessoal.

Em épocas anteriores e noutros lugares, o sentido da preocupação com a saúde tinha estado enquadrado em contextos comunitários, éticos ou religiosos mais amplos. No final do século XIX esses contextos tinham entrado em erosão - a demanda da saúde estava a tornar-se um projecto secular e auto-referencial, alicerçado em necessidades afectivas especialmente modernas sobretudo a necessidade de recuperar uma noção de identidade pessoal que se tinha vindo a tornar fragmentada, difusa e de alguma forma «irreal».

Neste contexto, é a própria pessoa que deverá procurar ajuda para o seu problema. Dá-se, então, uma proliferação de associações - de cariz religioso ou outro - que assentam as suas bases em modelos terapêuticos de auto-ajuda. Segundo Schiff e Bargal (2000, 280-282), estes grupos contribuem para o bem-estar dos seus participantes de várias formas: promovem a) esperança de que é possível controlar o problema que ali os leva; b) a pertença a algo por oposição ao isolamento em que muitos se encontram antes de frequentarem as associações; c) apoio entre pares; e d) aquisição de um novos modelos comportamentais e interpretativos que assentam na transmissão deste conhecimento.

Faz sentido falar de comunidade, laços de solidariedade e sentimento de pertença como elementos básicos para percebermos em pleno o movimento dos Alcoólicos Anónimos enquanto reflexo de um sintoma comum a toda uma sociedade: é a união de pessoas em tomo de um mesmo objectivo, num espírito de comunhão. As pessoas têm tendência a agrupar-se e, no caso específico das associações aqui contempladas, encontra-se um reflexo das tendências que encontramos na sociedade contemporânea: constante mobilidade dos indivíduos, despersonalização exponenciada pela burocracia, massificação das trocas comerciais e de novas formas de interacção com relação directa com o desenvolvimento de tecnologias de informação. Concomitantemente, temos relações efémeras marcadas pela mutabilidade; procura de realização pessoal e bem-estar que se reflecte no consumo de bens; reconfigurações dos laços familiares; e a importância crescente de formas de reflexividade interior encontrada sobretudo na terapia (…).

Catarina Frois, Dependência, Estigma e Anonimato nas Associações de 12 Passos – Imprensa de Ciências Sociais – 2009, adaptado
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