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António Campos
A institucionalização dos sistemas de reformas é o primeiro passo para a autonomia económica dos mais velhos e a emergência da velhice enquanto categoria social. A velhice pensionada é uma situação nova nas sociedades desenvolvidas, e envolve alterações e inovações nos modos de vida das gerações mais velhas.
A emergência da velhice, enquanto problema social, está fortemente relacionada com a institucionalização das reformas. Mas não só. As alterações ao nível da estrutura das relações familiares nas sociedades ocidentais contribuíram também para que se agravasse o problema social da velhice. A solidariedade natural entre gerações, espécie de seguro de vida apostado na geração seguinte, parece estar comprometida por transformações sociais desencadeadas ao longo do século XX. A desfamilização das relações familiares, isto é, o desmoronamento das bases sociais em que assentava o familismo tradicional, interfere na forma como se relacionam pais e filhos e se transmite o património.
Mas a persistência de solidariedades que não deixou de se manifestar na entreajuda entre pais e filhos contraria a visão catastrófica de isolamento da família nuclear nas sociedades urbanas desenvolvidas.
A noção corrente de velhice e envelhecimento negligencia as transformações demográficas mais recentes resultantes da conquista de anos de vida que prolongam a sobrevivência e afectam a constituição e os calendários das fases em que se repartem as biografias.
Contraditoriamente a actual organização económica das sociedades modernas tem contribuído para tornar obsoleto o trabalho dos mais velhos que são precocemente atirados para uma inactividade pensionada. Vive-se durante mais tempo, com mais saúde e vitalidade e fica-se reformado mais cedo.
A circunstância de, nos nossos dias, se conjugarem um envelhecimento demográfico em franco crescimento e um Estado-Providência, cujas competências tendem a expandir-se, favoreceu a importância e a abrangência das políticas sociais de velhice. Estas, de modo geral, têm por objectivos intervir publicamente no sentido de contrariar as tendências de solidão, isolamento e carências várias para que foram sendo remetidas as gerações mais velhas. Afastados dos circuitos de produção, afastados da família, restava-lhes a solidariedade pública.
As políticas sociais têm promovido o aparecimento de equipamentos e produtos vários cujo usufruto é destinado apenas a uma categoria de idades, os idosos. Os pressupostos em que se baseiam, a agregação de pessoas acima de uma certa idade e a homogeneidade dentro desta categoria têm contribuído, ainda que de forma indirecta, para reforçar a segregação que se pretendia à partida contrariar e acentuar os contornos da imagem de velhice enquanto categoria carenciada e segregada. As práticas dos agentes sociais encarregues da gestão pública da velhice e as representações que veiculam têm vindo, também, a reforçar esse estado de segregação.
Os benefícios e os efeitos perversos inerentes à implementação de políticas sociais para a velhice começam a ser visíveis na sociedade portuguesa e, com mais acuidade, em sociedades onde as políticas sociais foram implementadas há mais tempo.
Ana Alexandre Fernandes, in Velhice e Sociedade, (adaptado)
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