sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A velhice nas sociedades tradicionais

PortugalImage via Wikipedia


António Campos

Na maior parte das sociedades tradicionais, as gerações mais velhas permanecem integradas nos sistemas económicos e sociais de produção praticamente até à morte. Partilham tarefas e desempenham funções ainda que as dificuldades comecem gradualmente a surgir e se vão atenuando as responsabilidades e incumbências à medida que diminuem as capacidades físicas.

À medida que caminhamos para os nossos dias a situação de velhice, enquanto condição social reconhecida, emerge e destaca-se no ciclo de vida. A passagem do século XIX para o século xx, a par com alterações económicas e sociais profundas, coincide com a transição demográfica (fenómeno que representa a mudança de um regime demográfico com altas taxas de mortalidade e de natalidade para um outro em que a mortalidade e a natalidade se voltam a equilibrar, mas a níveis muito mais baixos).

Esta alteração do regime demográfico proporcionou às populações dos nossos dias o benefício de um substancial aumento da esperança de vida. Mas o acentuado declínio da fecundidade acarretou um gradual envelhecimento das populações. Os idosos, na acepção demo gráfica, classe de idade das pessoas com mais de 65 anos, não só tendem a ser proporcionalmente em maior número como vivem durante mais tempo, o que significa que pequenos aumentos da esperança de vida não agravam o aumento da população idosa.

Por si, o aumento proporcional de pessoas idosas poderia não vir a constituir-se um problema social apesar de a velhice representar a fase da vida em que as capacidades e resistências físicas vão gradualmente diminuindo. E, embora em certas situações de maior precariedade económica os velhos possam representar uma sobrecarga - ainda que tenhamos que atender à diversidade de estruturas familiares possíveis de reconstituir nos vários complexos histórico-geográficos -, podemos afirmar, sem incorrer em grandes imprecisões, que, nas sociedades ocidentais europeias pré-industriais, a redução da capacidade produtiva do idoso se diluía no conjunto das trocas que se efectuavam entre os elementos do grupo doméstico. Tal capacidade era, em parte, compensada pelo valor da experiência acumulada, fonte de saber a transmitir aos mais novos.

Ocorre, porém, que o aumento da duração média de vida desvalorizou a longevidade de outros tempos, em que a experiência era a base do saber. Por sua vez, o conhecimento em constante desenvolvimento deixou de assentar na simples acumulação resultante da vivência e os mais velhos deixaram de ter o papel de conselheiros sapientes que tradicionalmente foram desempenhando. Nestas condições, e apesar das transformações referidas, o simples aumento de pessoas idosas poderia, ainda assim, não constituir"só por si, um problema social.

A velhice poderia ter outras implicações se os idosos permanecessem a cargo das famílias respectivas, nas sociedades tradicionais, entre os camponeses ou entre as burguesias mais urbanas. Nestes casos, os problemas da velhice eram problemas individuais e sobre eles se fechava o espaço privado da casa e da família. As trocas desenrolavam-se entre as gerações, mas apenas no âmbito estrito das relações familiares. Assim, a velhice surgia publicamente identificada com pobreza, indigência ou doença. Dela se encarregavam as instituições hospitalares e de beneficência.

Esta velhice é ainda uma velhice invisível, que é a situação dominante até meados deste século. Cada um deveria prever os seus dias de velhice, que não eram então muito longos, e essa previsão assentava fundamentalmente no sistema de trocas que se estabeleciam entre as gerações dentro do grupo familiar ou doméstico. Para resolver as situações extremas intervinham as instituições de beneficência social.

Durante o século XIX e o inicio do século XX a velhice permanece invisível porque adquire as formas e os contornos, extremamente contrastados, dos patrimónios familiares, surgindo publicamente apenas as situações de maior penúria, que eram socialmente identificadas com a pobreza. A posse de propriedade era a garantia de uma velhice segura, mas também um assunto de âmbito estritamente familiar. Fora da família a velhice era confundida com mendicidade e invalidez e socorrida da mesma forma que estas pelas instituições de beneficia.



Ana Alexandre Fernandes, in Velhice e Sociedade (adaptado)





Reblog this post [with Zemanta]

Sem comentários:

Enviar um comentário