segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A violência na família

family violence.3Image by ahhhhmen via Flickr


António Campos

Porque é que a violência doméstica é tão banal? Há um conjunto de factores envolvidos. Um deles reside na combinação entre a intensidade emocional e a intimidade pessoal características da vida familiar. Os laços familiares estão normalmente impregnados de emoções fortes, que misturam frequentemente amor e ódio. As desavenças que ocorrem no contexto doméstico podem libertar antagonismos que não seriam sentidos da mesma forma noutros contextos sociais.(...)

Uma segunda influência reside no facto de se tolerar e até mesmo aprovar um certo grau de violência no seio da família. Embora a violência familiar socialmente aprovada seja de natureza relativamente limitada, pode facilmente degenerar em formas mais severas de agressão. Haverá poucas crianças na Grã-Bretanha que nunca tenham levado uma bofetada ou apanhado uma tareia - mesmo que leve - de um dos seus progenitores. Estas acções gozam frequentemente da aprovação dos outros e provavelmente não são sequer reconhecidas como "violência". Embora menos explícita, existe (ou existiu no passado) também uma aprovação social da violência entre esposos.

A família é habitualmente descrita com um espaço de afecto, de partilha e de segurança para os seus elementos. No entanto, pode acontecer precisamente o oposto. Alguns estudos mostram que é mais provável uma ser agredida pelo marido em casa do que por um estranho na rua. A intimidade, a proximidade, o elevado grau de expectativas e a impossibilidade de as extravasar, a agressividade em contextos públicos, tornam o lar no palco principal de manifestações e maus-tratos físicos e psicológicos.

As formas mais comuns da violência no seio da família são a agressão da mulher por parte do marido e a violência contra as crianças por parte dos adultos (homens e mulheres). Porque acontece na esfera privada, este tipo de violência tem duas características complementares: é ou foi socialmente tolerada e não tem, ou não teve há alguns anos atrás, grande visibilidade a nível público.

A violência na família pode ter causas externas, como o consumo de álcool e/ou de drogas que propiciam comportamentos violentos. Mas também tem causas internas, que estão ligadas à estrutura do poder entre os elementos da família. As desigualdades sociais e económicas verificadas na sociedade são absorvidas pela família: o homem tem poder sobre a mulher e os adultos têm poder sobre as crianças. Trata-se, portanto, de um fenómeno com raízes estruturais a nível social. A dominação masculina sobre a mulher teve inclusivamente um enquadramento legal em Portugal até 1974, pelo que era socialmente aceite - inclusive pelas próprias mulheres - que os maridos fossem agressivos.

Os maus tratos contra a mulher podem incluir o espancamento, a injúria e a violação. Os maus tratos da mulher contra o homem também são uma realidade, mas têm uma ocorrência residual face à situação oposta e assumem predominantemente a forma de violência psicológica.

As denúncias de violência doméstica em 2005, junto da PSP e da GNR, aumentaram 17% em relação a 2004. No total, foram recebidas 178 novas queixas, sobretudo de mulheres maltratadas pelos companheiros. A partir destas denúncias, a PSP procedeu a um total de 249 detenções, quatro vezes mais do que no ano anterior. A GNR não divulgou o número de detenções.

Os responsáveis daquelas forças policiais, que congregam a quase totalidade das denúncias de violência doméstica, explicam o aumento pela "crescente sensibilização para esta problemática", não só da sociedade civil como dos próprios agentes. (...)

Mas, apesar do aumento das denúncias e de o crime de violência doméstica ser público desde 2000, "o certo, é que continuam a ser muito poucos os casos que chegaram ao fim do julgamento", sublinha Elza Pais, presidente da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres e da Estrutura de Missão Contra a Violência Doméstica.

As vítimas são sobretudo mulheres, facto que é mais visível fora dos centros urbanos. (...) É o resultado do "enraizamento sociocultural da desigualdade de género", explica Elza Pais, e "que se tem transmitido de geração em geração".
As segundas vítimas de violência doméstica são as crianças. A GNR identificou 382 menores agredidos, mais 21% do que em 2004; a PSP registou 302 indivíduos com menos de 16 anos, menos 23 do que em 2004.

Anthony Giddens e Diário de Notícias, 2006-02-16 (adaptado)


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