«Tsipras e o Syriza tiveram de aprender a lição. Schäuble podia tentar fazer o mesmo.
Lendo o documento que o Governo de Atenas apresentou em Bruxelas, a
primeira sensação é de que se trata de um programa de reformas que
qualquer Governo europeu de centro-esquerda não enjeitaria subscrever. É
ambicioso no médio e longo prazo, prometendo enfrentar algumas das mais
graves “doenças” do funcionamento do Estado grego. É razoável nas
medidas imediatas e nos compromissos já assumidos. Comenta Robert
Peston, o editor económico da BBC World, que “o Syriza trocou Marx por
Blair”. Ou seja, num mês, um partido de esquerda radical (e um ministro
das Finanças que se definia a si próprio como um “marxista errático”)
transformou-se num partido social-democrata, disposto a aceitar as
regras do jogo europeias e o reconhecimento implícito de que o caminho
para melhorar a vida dos gregos tem de incluir ainda algumas
“dificuldades” (citando Tsipras), para não pôr em causa a presença da
Grécia no euro. O dramatismo ficou para trás, mas também alguns erros de
avaliação do Syriza sobre a forma como funciona a Europa.
Dito isto, alguma coisa terá mudado na Europa
com a entrada em cena do Syriza? À primeira vista, a resposta é não.
Mas, na Europa, nada é simplesmente preto ou branco.
Olhando para a
forma como Wolfgang Schäuble vergou o braço a Atenas, dir-se-ia que a
Alemanha continua dona e senhora da situação e não abdicou nem um
milímetro na sua intenção de aproveitar a crise do euro para
reconfigurar a união monetária à sua imagem e semelhança. É verdade? É e
não é. Berlim continua a ditar no essencial as regras do jogo, mas
ninguém pode dizer que domina inteiramente os jogadores. Nos últimos
tempos, Angela Merkel teve de “engolir” um conjunto vasto de medidas
tomadas pelo BCE (fundamentais para restaurar a confiança e a
estabilidade do euro) que, do ponto de vista alemão, violam o seu
estatuto: garantir a estabilidade dos preços. A última foi, porventura, a
mais difícil de engolir porque toca no papel do BCE como credor de
último recurso, pondo em marcha o chamado quantitative easing
para contrariar a deflação e animar a economia. Ou seja, o que fizeram
os EUA e o Reino Unido, com os resultados que estão à vista, mas nada
que faça parte da ortodoxia alemã.
Segunda questão: em que medida a
hipótese de uma saída da Grécia do euro deixou de ser demasiado
perigosa para sequer ser considerada? Aqui as opiniões dividem-se. Há na
Alemanha muitas vozes que argumentam que essa saída não teria grandes
implicações para o euro. Mas também há outras que consideram o "Grexit"
como um mero instrumento de pressão de Berlim sobre Atenas.
Verdadeiramente, ninguém sabe. Mas há sempre o risco de, com a saída da
Grécia, haver outro país (neste caso, o nosso) na linha da frente da
desconfiança dos mercados. A queda do Lehman Brothers em Setembro de
2008, à qual ninguém deu importância, desencadeou uma crise de
proporções inimagináveis. E, como lembram os Estados Unidos, não se
trata apenas de uma questão de números. A Grécia esta na linha da frente
de uma região onde a instabilidade ameaça directamente a segurança
europeia.
Terceira questão: o Syriza ajudou a pôr em causa a forma
como Berlim e Bruxelas geriram os programas de resgate? A única pequena
vitória que Tsipras conseguiu foi o reconhecimento de que os programas
de ajustamento impostos aos países periféricos estavam mal feitos. Desta
vez, um novo “acordo” (como os gregos gostam de dizer) entre Atenas e
Bruxelas é da iniciativa nacional, mesmo que tenha de ser negociado.
Hoje, já quase ninguém duvida da inadequação desses programas,
fabricados por tecnocratas sem a mais leve ideia das realidades
nacionais. A mudança pode não ser significativa, mas é simbólica e foi
expressa pelo desabafo de Jean-Claude Juncker sobre o respeito pela
dignidade dos países sujeitos a resgates.
E isso leva-nos ao papel da nova Comissão. Juncker prometeu que não seria um “yes-man” de Berlim. Tentou ter um papel de intermediação (e não de imposição) nas negociações com a Grécia. Acabou por ver a sua iniciativa esmagada pelas decisões de Berlim (e do Eurogrupo, onde mandam os Governos), acentuando a ideia nefasta de que a Alemanha é quem manda. Espera-se para ver até que ponto o presidente da Comissão consegue reafirmar a sua liderança. Na segunda-feira, Juncker teve de criticar a “fórmula incorrecta” usada no debate grego para descrever a Alemanha. “Quando um primeiro-ministro insulta os alemães duas vezes por semana, isso não me parece uma forma sofisticada de governar”. Uma no cravo, outra na ferradura.
E isso leva-nos ao papel da nova Comissão. Juncker prometeu que não seria um “yes-man” de Berlim. Tentou ter um papel de intermediação (e não de imposição) nas negociações com a Grécia. Acabou por ver a sua iniciativa esmagada pelas decisões de Berlim (e do Eurogrupo, onde mandam os Governos), acentuando a ideia nefasta de que a Alemanha é quem manda. Espera-se para ver até que ponto o presidente da Comissão consegue reafirmar a sua liderança. Na segunda-feira, Juncker teve de criticar a “fórmula incorrecta” usada no debate grego para descrever a Alemanha. “Quando um primeiro-ministro insulta os alemães duas vezes por semana, isso não me parece uma forma sofisticada de governar”. Uma no cravo, outra na ferradura.
Finalmente, a vitória do Syriza, apesar das cedências
enormes, representa uma forte reacção popular aos programas de resgate
que devia ser levada em conta. Cinco anos e uma queda de 25 por cento do
PIB não poderiam levar a outra coisa. O que é que faltou e continua a
faltar? O crescimento económico sem o qual todos os problemas se tornam
mais difíceis de resolver.[...]»
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