«Sempre que leio ou ouço falar em “novo paradigma” e “Educação” na
mesma frase sofro uma terrível ataque de urticária. Então quando a esse
“novo paradigma” vem associada uma nova teorização sobre gerir as
escolas a partir de modelos que lhes são exteriores fico com uma
necessidade fenomenal de ansiolíticos e anti-histamínicos.
Porque eu já passei por imensos momentos em que
novos paradigmas foram anunciados, enunciados e mesmo legislados.
Raramente dei com as suas vantagens e nunca vislumbrei a sua avaliação,
de modo a justificar a sua substituição.
E quase sempre apareceram justificados com a “falência” dos modelos ou paradigmas anteriores. A situação mais recente foi a de José Matos Alves em texto recente, aqui no PÚBLICO.
O
meu problema coloca-se a diversos níveis. No plano conceptual, é para
mim estranho que se tenha de “paradigma” uma noção tão simplista e
mecânica, como se fosse uma peça que se muda num carro que está a ter
problemas em arrancar. Um “paradigma” é uma teia complexa de fenómenos e
relações que não se decreta de um dia para o outro, que não surge numa
segunda-feira, na sequência de um decreto, de um despacho, de uma
experiência diferente da norma tida como dominante. Muito menos de
estados d’alma ou de convicções particulares de um determinado grupo de
especialistas ou interessados nas mudanças que se apresentam como o
indispensável “novo paradigma”.
No plano mais concreto, é muito
raro que esses “novos paradigmas” apresentem uma fundamentação que os
justifique para além de profissões de fé, baseadas em experiências
episódicas e desenvolvidas em ambientes muito controlados e favoráveis
ao seu sucesso. Na generalidade dos casos, a demonstração empírica das
vantagens não corre qualquer risco com base nos exemplos escolhidos para
as testar. É natural essa tendência para provar a sua própria profecia,
mas não é a melhor maneira de provar algo que se pretende apresentar
como “novo paradigma” a aplicar a todos os casos.
Mas
concentremo-nos no processo presente de pressão em torno da
implementação de mecanismos municipais de controle da gestão das
organizações escolares, seja através da criação de escolas municipais
(públicas) em concorrência com a rede pública tradicional, seja com a
deslocação de níveis de decisão em matérias sensíveis das escolas (e da
tutela) para as autarquias.
Este processo não pode ser apresentado
ou enunciado como naturalmente bom apenas porque sim, porque
descentralizar é bom e porque “aproximar” a gestão das escolas das
comunidades é bom, sem que exista a demonstração clara dessa bondade,
seja através da exposição de casos concretos de sucesso de experiências
equivalentes em outras paragens, equivalentes à situação do nosso país,
seja através da demonstração comparativa dessa bondade em relação ao
modelo actualmente existente.
José Matias Alves declara no seu
texto que irá basear o seu primeiro ponto “na demonstração da falência
deste modelo” do modelo único de gestão das escolas públicas. Mas não o
faz para além de considerações vagas, não sendo rigoroso na demonstração
dos aspectos da anunciada falência. O que faliu? Foram os resultados
dos alunos? Há que o demonstrar. Foi o papel social da escola? Há que o
demonstrar. Foi a qualidade da prestação do serviço público de Educação
numa sua visão mais vasta? Há que o demonstrar. O que José Matias Alves
não faz, apenas alinhando os já muito repetidos argumentos de que um
sistema centralizado e uniforme não é o melhor dos mundos. Com isso eu
concordo e muito tenho protestado com o modelo único de gestão
unipessoal dos mega-agrupamentos, porque conduziram a centralismos
locais e a um crescente distanciamento do centro das decisões em relação
a alunos, funcionários e professores.
Mas não chega dizer que
está mal. Também acho que os contratos de autonomia são uma ficção. Mas
há que explicar, no concreto, porquê e que alternativas se podem
apresentar. Preferencialmente a partir das próprias escolas e não como
imposições externas.
Eu discordo que a municipalização – por
eventuais excelentes experiências singulares que se possam apresentar –
seja a melhor solução e não acho que essa opção “aproxime” seja o que
for, muito pelo contrário, pois esvazia cada vez mais as competências
internas das organizações escolares.
Mesmo discordando da
designação, considero que não existe nenhum “novo paradigma” que melhore
seja o que for no funcionamento e quotidiano das escolas que não parta
do interior da própria comunidade educativa e que não passe por um maior
envolvimento activo de pais e encarregados de educação na resolução dos
problemas das escolas e não na sua multiplicação. Por “envolvimento
activo” não se entenda uma barragem de queixas e acusações, de
contestações de classificações ou de entradas a bater em quem lhes
comunique as malfeitorias dos educandos ou outras faltas de civismo.
Não
há paradigma de gestão que supere a colaboração, sem desconfianças
espúrias, entre aqueles que estão dentro das escolas e querem que elas
funcionem da melhor maneira. Não é nenhum gestor, vereador, presidente
de câmara ou junta que trará qualquer especial valor acrescentado para a
superação de falhas ou insuficiências de um modelo que não faliu, como
querem alguns fazer crer, mas apenas se foi tornando menos flexível nas
soluções internas e cada vez mais permeável aos humores externos.
Um
novo paradigma em Educação, no que à gestão das escolas diz respeito,
só será possível através de uma revitalização dos mecanismos de
cooperação e partilha de responsabilidades dos actores que estão dentro
da escola (e nesse particular incluo naturalmente as famílias dos
alunos) e não através da imposição de soluções externas, por muito bem
pensantes e conceptualizadas que se apresentem.
A municipalização é
apenas a nova moda destinada a limitar uma verdadeira autonomia das
organizações escolares, colocando-lhes uma nova arreata de que só alguns
políticos e especialistas sentem falta.»
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