segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O século XXI português tem sido ainda pior do que se julga

«É habitual olhar-se para o Produto Interno Bruto (PIB) de um país para analisar o nível de riqueza produzida em cada ano. Com base neste indicador constatamos que é preciso recuar a 2000 para encontrar um ano em que se tenha gerado tão pouca riqueza em Portugal como em 2013. Por outras palavras, até aqui o século XXI significou a estagnação da economia portuguesa.

Na verdade, há vários anos que o PIB tem sido criticado enquanto indicador de bem-estar dos países, nomeadamente pelo facto de não considerar aspectos como o tempo de lazer, a distribuição do rendimento, as condições sociais ou os impactos do crescimento económico no ambiente.

Isto levou, por exemplo, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento a publicar anualmente, desde 1990, o seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), um indicador alternativo ao PIB que procura ter em conta não apenas os rendimentos gerados, mas também a evolução das condições de saúde e educação em cada país. Além disso, desde 2010 que o IDH tem em conta não o PIB mas antes o Produto Nacional Bruto (PNB). A diferença entre o PIB e o PNB assenta no facto de nem toda a riqueza gerada num território permanecer nesse território, já que parte dos rendimentos gerados ficam na posse de agentes económicos não-nacionais (por exemplo, os lucros e os juros auferidos por empresas estrangeiras no território nacional contam para o PIB, mas não para o PNB).

Mais recentemente, um famoso relatório coordenado por Joseph Stiglitz, Amartya Sen e Jean-Paul Fitoussi, sobre a medição do desempenho económico e do progresso social, avança com várias propostas para melhorar a aferição do bem-estar gerado por cada economia. Uma das sugestões que podemos encontrar no relatório tem a ver com a avaliação do produto em termos líquidos e não em termos brutos (como faz o PIB). A diferença entre um e outro prende-se com o facto de os bens de capital (as máquinas, os equipamentos, etc.) irem perdendo valor à medida que os anos passam. Como é difícil calcular o ritmo de depreciação do capital, os economistas habituaram-se a utilizar o PIB em vez do Produto Interno Líquido (PIL); tal corresponde a  ignorar que parte da riqueza gerada tem de ser posta de parte para substituir o capital amortizado. Na verdade, desde que a taxa de depreciação do capital não se altere ao longo dos anos, é indiferente qual dos dois indicadores é utilizado, se o objectivo é medir a evolução da riqueza produzida. Acontece, porém, que há motivos para acreditar que o tempo de vida útil dos bens de capital tem vindo a diminuir. Por exemplo, os computadores e o software desactualizam-se muito mais rapidamente do que os fornos utilizados nas siderurgias. Logo, se usarmos o PIB em vez do PIL estaremos a sobrevalorizar a riqueza efectivamente produzida em cada país.

O gráfico abaixo mostra a evolução do PIB, do PNB e do PIL em Portugal desde 2000. Sem surpresas, o valor do PNB em 2013 face a 2000 é inferior ao valor do PIB, enquanto o do PIL é inferior ao de ambos. Assim, se seguíssemos aquilo para que apontam as boas práticas internacionais, usando valores nacionais (e não internos) e líquidos (e não brutos) – isto é, usando o Produto Nacional Líquido (PNL) – concluiríamos que a riqueza gerada pela economia portuguesa caiu 4% desde 2000.


Quanto mais irá a economia portuguesa cair até percebermos que algo de fundamentalmente errado se passa?» 

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