Podemos?...Não Podemos?...
O que é que o Podemos pode e nós não podemos? (a hierarquia de medos)
«Têm
sido publicadas análises várias da sondagem de Espanha e da situação
política de países do resto da Europa, comparando-as com a fixidez do
sistema partidário português. Importantes as de André Freire e, hoje no
i, de Nuno Ramos de Almeida, "Há razões para não podermos?". Julgo que
sim, que há razões.
Há algum tempo - há anos - fui escrevendo
aqui da necessidade de uma aliança das esquerdas. O resultado foi um
desastre e nenhuma aliança nas Europeias.
Posso apontar o que me parece sobre as razões da especificidade:
1.
O "salazarismo está vivo nos nossos corações": hoje mesmo leio que o
director obscuro da Faculdade de Direito de Coimbra, António Santos
Justo, proibiu um debate entre Rui Tavares e Pedro Mexia porque "não
quer ideologia na Faculdade". Leio e não acredito. O discurso-tipo de
Cavaco - o político não-político que dissemina o discurso anti-políticos
- dá os seus funestos resultados. Cavaco com esse discurso vai ao
encontro dos piores resquícios do tempo do regime da ditadura. "Discutir
política é proibido" como se isso mesmo não fosse uma posição política
de extrema direita. Discutir política é coisa de comunistas; governar é
"a bem da Nação", "não é política". Uma vergonha sem nome.
2.
A existência do Partido Comunista; enquanto que nos outros países da
Europa os PCs desapareceram, pura e simplesmente, o PCP mantém-se forte.
Deste modo a clivagem Salazar-Cunhal, que marcou o século XX em
Portugal prossegue. O Bloco - com todos os meus amigos lá - recupera
aspectos idênticos da situação de 1968-75. Daqui resultou o imobilismo
que algumas movimentações noutras esquerdas poderão romper nas próximas
eleições. Julgo que a força do PC na sociedade e nos sindicatos foi, em
Portugal, um obstáculo ao aparecimento de Siryzas e de Podemos. Quando
se existe ocupa-se um espaço.
3. As
elites culturais não são elites nem são cultas e mantêm o quadro que
marcou o regime fascista após 1945: a divisão entre "a situação" e "a
oposição" para além de largas camadas de apolíticos secretos (de
direita). O medo bipartido do antigo regime. Quem rompeu este bloqueio
social e político foram os militares em 1974, convém lembrar. Depois de
1980 recreou-se uma nova hierarquia de medos que atravessa a sociedade
de alto a baixo, nas empresas, nas escolas, nos hospitais, nos partidos.
"Eles - sempre eles - é que mandam".
4.
A justiça. O número de presos e arguidos por corrupção em Espanha é
enorme desde a filha do rei e o seu elegante marido, até muitos autarcas
e financiadores ilegais de partidos. Em Portugal contam-se pelos dedos e
todos os banqueiros envolvidos em escândalos, estão à espera das
previsíveis prescrições, bem instalados em suas casas. A justiça não
funciona em Portugal e esse facto favorece a hierarquia de medos e a
prática da corrupção. Claro que deve existir "a presunçao de inocência",
mas devia igualmente existir a presunção de condenação uma vez
terminados os julgamentos.
5. Nos próprios textos de André Freire
e Nuno Ramos de Almeida - prezo os dois - se mostra a divisão que
paralisa. O primeiro defende que "a esquerda radical deve deixar claro
que quer governar". O segundo afirma que "o que as pessoas exigem é uma
ruptura com aquilo que existe, não que se proponham comer à mesa do
sistema". Ramos de Almeida admite adiante que "quem se opõe a este
estado de coisas deve ter a ambição de governar e ocupar o lugar do
poder para o tornar o lugar de todos" e antes escrevera "o problema dos
partidos como o Bloco e o PC […] é terem sido incapazes de transformar
uma maioria social numa maioria política" elogiando o Podemos por ter
vontade de vencer, tendo uma "forte hegemonia na maioria da população".
Veremos se sim ou não nas próximas eleições em Espanha.
6.
Mas a divergência anterior - governar com os partidos do sistema,
leia-se o PS - ou governar contra ele - é justamente a causa que impede
acordo, que paralisa e que impede o aparecimento da maioria política
idêntica à maioria social.
7.
Finalmente uma sociologia empírica do olhar: julgo que as camadas mais
pobres da população portuguesa, as mais atingidas pela crise,
especialmente no norte do nosso país, tem uma ligação afectiva e
política ao PS. Julgo que em Lisboa e arredores este facto é
virtualmente invisível e incompreensível. Enquanto o PC tem primazia
sindical histórica o PS, por razões certamente complexas, não sofreu, ao
contrário de outros partidos similares europeus, o mesmo tipo de
desmantelamento, e de desastre eleitoral. Mantém-se. Tomá-lo como
"partido do sistema" é, por um lado, verdadeiro mas, por outro, continua
a ser visto por muitos da camada mais frágil da população como o seu
partido, como o único que os defende na prática nos momentos difíceis.
Aqui reside outra particularidade deste país. Nesse sentido, o PS terá
no próximo governo a sua última oportunidade de lhes dar uma resposta.
8. Ao longe a triste União Europeia dos burocratas e dos neoliberais comandados pela Alemanha. O que conta muito.»
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