sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A diversidade cultural

ASB Polyfest 2008 Mangere College Cook Island ...Image by Richard Sihamau via Flickr


António Campos

O homem recebe do meio, em primeiro lugar, a definição do bom e do mau, do
confortável e do desconfortável. Deste modo, os Chineses preferem os ovos podres e os Oceânicos o peixe em decomposição. Para dormir, os Pigmeus procuram a incómoda forquilha de madeira e os Japoneses deitam a cabeça em duro cepo.

O homem recebe assim, do seu meio cultural, um modo de viver e de pensar. No Japão considera-se delicado julgar os homens muito mais velhos do que parecem. Demonstrou-se que a percepção das cores, dos movimentos ou dos sons está orientada e estruturada de acordo com o modo de existência.

O homem também retira do meio as atitudes afectivas típicas. Entre os Maoris, onde se chora à vontade, as lágrimas correm só no regresso dos viajantes e não à sua partida. Nos Esquimós, que praticam a hospitalidade conjugal, o ciúme desapareceu, tal como na Samoa; em compensação a morte de um inimigo pessoal aceita-se como um acto normal, ao passo que a guerra surge como um cúmulo do absurdo; a morte não parece cruel, os velhos aceitam-na como um benefício e todos se alegram por eles. (...)

A piedade para com os velhos varia consoante os lugares e as condições económicas e sociais: alguns índios da Califórnia estrangulam-nos, outros abandonam-nos nas estradas. O amor e o cuidado da mãe pelos filhos desapareceram nas ilhas do estreito de Torres e nas ilhas Andaman, em que o filho ou a filha são oferecidos de boa vontade aos hóspedes da família como presente ou aos vizinhos em sinal de amizade.

A sensibilidade a que chamamos "masculina" pode ser, de resto, uma característica "feminina", como nos Tchambuli, por exemplo, em que na família é a mulher que assume a direcção e domina.

Malson, Lucien, As crianças selvagens (adaptado)






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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A cultura do medíocre

iLeopardDayImage by Imagine24 via Flickr


António Campos

A par de uma escola cada vez mais informativa e menos formativa caminham os mass media, com especial relevo para essa caixinha mágica chamada televisão. Os notáveis avanços trazidos pela televisão são, hoje, cada vez mais pervertidos, paradoxalmente, pela qualidade dos programas e pelo conteúdo das mensagens transmitidas.

A televisão de hoje, pautada por guerras de audiências, nada mais é do que um repositório de vulgaridades, de mau gosto e de violência. Não sou dos que acham que televisão deve traduzir os gostos mais selectivos de uma elite reduzida. A televisão deve ter um componente informativo, formativo, de entretenimento, de prazer. A televisão deve ser construída a pensar em todos os tipos de audiências. Das mais diferenciadas às menos diferenciadas. (...)

A vulgaridade e a ordinarice mais primária de que alguns dos nossos principais comediantes usam e abusam é também reflexo dos tempos que correm. O sensacionalismo fácil de manchete, a difamação fácil e o boato escorreito, o atentado ao bom nome, fazem parte do quotidiano de grande parte dos mass media. Mas não se pense que são só os mass media os principais culpados de toda esta situação. (...) É, pois, paradoxal como é que exigimos e investimos cada vez mais em educação, e cada vez mais temos uma cultura rasca.

A sociedade de hoje é, cada vez mais, uma sociedade com mais informação, e menos informada. Com mais escolaridade, e com menos educação. Com menos analfabetos, e mais aculturados. Com mais livros, e com menos leitores. Com mais meios, e mais mal utilizados. O rasca, o medíocre, ganhou estatuto. Nos dias de hoje, é ponto assente que, quanto pior, melhor. Quanto mais medíocre, mais divulgado.

O reflexo desta cultura, deste modo de estar, desta forma de a sociedade se relacionar, terá consequências nefastas para as próximas gerações. As tensões sociais, os conflitos potenciais entre indivíduos e classes, os choques de interesses, o predomínio do táctico sobre o estratégico, o clima de violência latente, constituirão muito em breve uma mistura explosiva. Não ter consciência da degradação desta sociedade pretensamente evoluída é o primeiro sinal de decadência. Mudar ou não esta realidade social condicionará definitivamente a nossa vida nas próximas décadas.

Mais do que mudança de governos ou a vitória do partido A ou B. Assumirmos uma nova cultura de equilíbrio, da qualidade, do saber, da excelência, será o primeiro sinal de que vamos saber construir uma sociedade diferente para gerações que se pretendem diferentes.

Jorge Penedo, in A Capital (adaptado)


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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A ajuda da família

Pierre BourdieuImage via Wikipedia


António Campos

A ajuda fornecida pela família reveste-se de formas diferentes nos diferentes meios sociais: a ajuda explícita (conselhos, explicações, etc.), e percebida como tal, cresce à medida que o nível social se eleva, ainda que pareça decrescer à medida que o grau de sucesso escolar aumenta. Acontece que ela constitui apenas a parte visível das "doações" de todo o tipo que as crianças recebem das suas famílias. Se lembrarmos, por exemplo, que o conjunto de laureados que fizeram a sua primeira visita ao museu ainda na infância com a sua família cresce com a origem social - o que constitui apenas um indicador, entre outros, dos estímulos indirectos e difusos dados pela família -, veremos que os jovens das categorias superiores acumulam a ajuda difusa e a ajuda explícita, enquanto que os jovens das classes médias recebem sobretudo uma ajuda directa e os jovens das classes populares, salvo excepção, não podem contar com nenhuma dessas duas formas de ajuda directamente rentáveis escolarmente.

A família tem um papel preponderante no percurso escolar da criança. O seu
posicionamento na estrutura de classes, as suas expectativas quanto ao papel da
escola e da escolarização dos seus filhos, o apoio que quer dar e/ou efectivamente dá a essa mesma escolarização são determinantes: «As atitudes e expectativas das famílias relativamente à escola e ao seu papel no trajecto de vida das suas crianças divergem conforme o posicionamento social dessas mesmas famílias e os seus capitais económico, escolar e cultural.

Pierre Bourdieu, La Noblesse d'État, Minuit, 1989 (adaptado)

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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Trabalho Infantil em Portugal

Detail from Government. Mural by Elihu Vedder....Image via Wikipedia

António Campos

Há cinco anos atrás, era ainda possível a uma qualquer equipa de televisão internacional filmar crianças a deslocar-se em carrinhas para as fábricas de calçado ou de vestuário no norte do país. Hoje isso, provavelmente, não seria possível. Porque foi erradicado o trabalho infantil?

Uma parte das crianças portuguesas continua a ser mão-de-obra acessível a uma economia assente num baixo nível de qualificação da sua força laboral e de exploração de um trabalho mal remunerado.. Esse segmento da economia é aquele que continua a aproveitar o trabalho das crianças, em detrimento dos seus tempos livres, do convívio e do estudo e, até, em mais pequena parte, da frequência escolar.

Nada que se assemelhe ao que se passa nas sweatshops do Paquistão, da Tailândia, ou de outras regiões localizadas sobretudo no hemisfério sul. Mas persiste a exploração!

Excertos de O Trabalho Infantil na Sociedade Portuguesa. 1998 - 2003
Manuel Jacinto Sarmento (Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho)


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