quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Erich Fromm e a Renovação da Psicanálise


Nildo Viana

 Erich Fromm é um dos psicanalistas mais populares do mundo e, ao mesmo tempo, um dos menos considerados nos meios académicos  A sua popularidade pode ser vista em suas inúmeras obras publicadas e reeditas em vários países. A imagem negativa que ele possui nos meios académicos se deve, por um lado, a algumas afirmações e concepções, e, por outro, sua própria popularidade, o que provoca um preconceito académico de uma elite intelectual que quer um distanciamento em relação ao “grande público”.

Fromm nasceu na Alemanha e foi um dos fundadores do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, que mais tarde se tornaria conhecida como Escola de Frankfurt, ao lado de Karl Korsch e vários outros pesquisadores, que depois passou a ser identificada com os nomes de Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin e Herbert Marcuse. Fromm participou da pesquisa sobre “a personalidade autoritária” que fez a previsão da ascensão do nazismo. As primeiras obras de Fromm são marcadas por um freudismo ortodoxo (Dobrenkov, 1978) e depois ele se torna um dos principais representantes do que se convencionou chamar “neofreudismo”. “revisionismo”, “freudo-marxismo”, “culturalismo”, entre outras expressões. Embora Fromm fosse colocado junto com os demais “revisionistas”, “culturalistas” e “freudo-marxistas”, ele ao mesmo tempo em que se aproximava de várias teses culturalistas de Karen Horney, Suliwan e outros, bem como do freudo-marxismo de Reich, para citar apenas alguns nomes, ele também se diferenciava e assumia uma posição distinta em vários aspectos.

Após a ascensão do nazismo, Fromm, tal como muitos intelectuais de sua época, abandona a Alemanha e vai para os Estados Unidos. Neste país ele irá produzir suas obras mais conhecidas e importantes, se tornando um dos grandes nomes da psicanálise a nível mundial. A sua trilogia composta pelos livros A Análise do Homem; O Medo à Liberdade e Psicanálise da Sociedade Contemporânea se tornou uma das mais importantes do século 20 para a psicanálise. Sua tentativa de unir psicanálise e marxismo também foi importante e foi expresso mais explicitamente em suas obras Meu Encontro com Marx e Freud e A Crise da Psicanálise. Os seus estudos sobre variadas questões (aldeia camponesa, destrutividade humana, história da psicanálise, pensamento de Marx, pensamento de Freud, religião, amor, contos de fada, etc.) possuem um fio condutor que perpassa toda a sua obra. A base do seu pensamento é um humanismo radical que se inspira fundamentalmente nas teses de Marx e Freud.

Fromm parte da ideia de natureza humana para unir Marx e Freud e elaborar sua concepção de psicanálise. Em O Conceito Marxista do Homem, Fromm abre a discussão em torno da alienação e da natureza humana exposta nos Manuscritos de Paris, escrito por Marx, o que será desenvolvido em outras obras. A sociedade de classes produz a alienação e esta é uma negação da natureza humana.

“Deu-nos Marx uma definição da ‘essência da natureza humana’, da ‘natureza do homem em geral’? Deu, sim. Nos Manuscritos Filosóficos, Marx define o caráter específico dos seres humanos como 'atividade livre e consciente’, em contraste com a natureza do animal, que ‘não distingue a atividade de si próprio... e é a sua atividade’. Em seus escritos posteriores, embora tenha abandonado o conceito de ‘caráter da espécie’, a ênfase continua sendo a mesma: a atividade como característica da natureza não-mutilada e não-fragmentada do homem. Em O Capital, Marx define o homem como um ‘animal social’, criticando a definição de Aristóteles do homem como ‘animal político’ como sendo ‘tão característica da antiga sociedade clássica quanto a definição de Franklin do homem como ‘animal fabricante de ferramentas’ é característica do reino ianque’. A psicologia de Marx, assim como sua filosofia, é uma teoria da atividade humana e concordo inteiramente com a opinião de que a maneira mais adequada para descrever a definição de homem de Marx é a de um ser de práxis (...) (Fromm, 1977, p. 63).

Fromm critica aqueles que deformaram o pensamento de Marx, transformando-o num economicista e empobrecendo o seu pensamento, e também critica Freud e sua concepção de homem como ser fechado e movido pelas forças da autopreservação e instintos sexuais (Fromm, 1977). As críticas de Fromm a Freud (1977; 1980) abrem espaço para ele partir da concepção de natureza humana em Marx e assim apresentar uma renovação da psicanálise num sentido freudo-marxista, indo além de várias outras tentativas neste sentido, tais como a de Osborn (1966), Reich (1973), entre outros. Ele se afasta da concepção biologista de natureza humana expressa por Freud e retoma a concepção de Marx (De La Fuente, 1989), entendendo a produtividade – termo que se presta a equívocos, como veremos adiante – como característica fundamental da natureza humana (Fromm, 1978).

Sem dúvida, é a partir desta concepção de natureza humana que emerge o seu humanismo e que vai estar presente na sua concepção de ética, de psicanálise, de marxismo e de socialismo. É também a base da renovação da psicanálise empreendida por Fromm. É por isso que Fromm irá revalorar a cultura e as relações sociais para explicar o ser humano e seu psiquismo. O modelo biologista de Freud é criticado, incluindo sua concepção da existência de um “instinto de morte” (Fromm, 1975). Fromm explica o ser humano como potencialmente bom, e somente em condições adversas pode desenvolver uma potencialidade secundária, tornando-se mau (Fromm, 1965).

Uma de suas teses mais interessantes é a do caráter social. Fromm encontra alguns tipos de caráter social que podem ser divididos naqueles que possuem orientação produtiva e naqueles que possuem orientação improdutiva. As orientações improdutivas são a receptiva, a exploradora, a acumulativa e a mercantil e as produtivas são reduzidas a uma só, que é a do ser humano que manifesta a essência humana, que realiza a produtividade (Fromm, 1978). Ao contrário de Freud, cuja base fundamental do caráter estaria nos vários tipos de organização da libido, Fromm pensa o caráter social a partir da relação da pessoa com o mundo que, no curso de sua vida, ocorre através do processo de adquirir e assimilar coisas e na relação com as demais pessoas e consigo mesmo, o que significa que é social. A função do caráter social é moldar os indivíduos no sentido de agir na direção exigida pela sociedade. O caráter social produz o desejo de agir no sentido que a sociedade exige e produz no indivíduo a satisfação ao agir de acordo com as exigências da cultura e assim realiza uma mediação entre o modo de produção e as idéias dominantes em uma determinada sociedade (Fromm, 1979).

As orientações de caráter improdutivas são as seguintes: a) receptiva, a pessoa pensa que tudo que é bom está fora dela e espera receber tudo de uma fonte exterior, sendo que o fundamental nesta orientação é ser amado e não amar; b) exploradora, a pessoa também pensa que o bem está no exterior, mas busca tomá-lo por meio da astúcia ou da força; c) acumulativa, as pessoas com esta orientação, ao contrário das anteriores, não tem fé no mundo exterior e sua meta é acumular e poupar, sendo que gastar é visto como uma ameaça; d) a orientação mercantil passa a predominar na sociedade moderna e está intimamente ligada com a expansão mercantil e o capitalismo, sendo produto da mercantilização das relações sociais e domina o indivíduo na sociedade capitalista, que “se sente ao mesmo tempo como o vendedor e a mercadoria a ser vendida no mercado”; “sua auto-estima depende de condições que escapam ao seu controle. Se ele tiver sucesso, será ‘valioso’; se não, imprestável, o que gera a luta constante pelo sucesso”. A orientação mercantil é a predominante na sociedade moderna e é o que gera a opção pelo ter ao invés do ser (Fromm, 1987; Fromm, 1992). Estas orientações de caráter podem se mesclar num indivíduo concreto e o tipo de caráter predominante nos indivíduos é um produto social.

A orientação de caráter produtivo aponta para um ser humano que se relaciona de forma produtiva com o mundo e com as pessoas, desenvolvendo o amor e o pensamento produtivos, que se manifestam na ética humanista. O amor produtivo não é possessivo e nem se reduz ao amor sexual. O amor produtivo tem sua base na produtividade e é o amor autêntico, que tem como exemplo máximo o amor materno e é marcado pelo desvelo, responsabilidade, respeito e conhecimento (Fromm, 1978). É por isso que o amor produtivo é desintegrado na sociedade capitalista contemporânea (Fromm, 1990).

O pensamento produtivo não é aquele que espera tudo do exterior – solicitando e esperando recebê-lo dos outros, como na orientação receptiva, ou tomando e plagiando como no caso da orientação exploradora. Também não é uma fortaleza que se isola e se poupa como na orientação acumulativa ou, ainda, um mero valor de troca utilizado para conquistar o sucesso e por isso segue as modas, tal como na orientação mercantil. O pensamento produtivo é aquele que possui interesse e reage ao seu “objeto”, e, ao mesmo tempo, o respeita, buscando compreendê-lo, a vê-lo como realmente é, tendo também uma visão total e não fragmentária dele. Fromm opõe consciência humanista e consciência autoritária:

“A consciência humanista é a expressão do interesse próprio e integridade, ao passo que a consciência autoritária preocupa-se com a obediência, abnegação e dever do homem ou com seu ‘ajustamento social’. A meta da consciência humanista são a produtividade e, portanto, a felicidade, posto que esta é o concomitante necessário da vida produtiva. Prejudicar a si mesmo tornando-se um instrumento de outros, não importando quão dignos esses aparentem ser, ser ‘desprendido’, infeliz, resignado, desencorajado, opõe-se aos reclamos da consciência da pessoa; qualquer violação da integridade e o funcionamento adequado de nossa personalidade – tanto no que se refere ao pensamento quanto a ação e mesmo a assuntos como preferência de alimentos ou comportamento sexual – são uma intervenção contra a consciência da pessoa” (Fromm, 1978, p. 140).[...]